quarta-feira, 4 de junho de 2025

DO SITE 'OS GUEDES'

O Pispo de Cajazeiras Dom Zacarias Rolim de Moura e o Padre Gervásio Queiroga

Padre Gervásio e o programa de 
rádio que desafiou a ditadura militar

Os Guedes

Em plena ditadura militar, um dos períodos mais sombrios para a imprensa brasileira, um programa de rádio em Cajazeiras ousou desafiar o regime e levar informação aos trabalhadores rurais. Apresentado pelo padre Gervásio Queiroga na Rádio Alto Piranhas, emissora pertencente à diocese, o programa “Verdade e Vida” tornou-se um marco ao explicar para os ouvintes o Estatuto da Terra, assinado pelo Marechal Castelo Branco.

“O Marechal Castelo Branco pensou em fazer a Reforma Agrária, mas foi barrado. O Estatuto da Terra não intencionou fazer a Reforma Agrária, mas, quase como prévia a ela, promulgou uma legislação específica para as relações entre os senhores da terra e os que, não sendo os proprietários, trabalham na terra alheia. Antes do Estatuto da Terra, as pendências específicas das relações entre proprietários da terra e os que nela trabalhavam eram resolvidas segundo o Código Civil de então. Difícil para um simples trabalhador rural entrar com uma ação, tanto mais quando, antes de Goulart, juridicamente não havia sindicatos rurais que o apoiassem e ajudassem”, esclarece padre Gervásio.

Ele ressalta que pela primeira vez, na região nordestina, camponeses e meeiros encontraram amparo legal para levar os proprietários de terra à Justiça, enfrentando uma estrutura jurídica tradicionalmente atrelada às elites rurais. “Deve-se aqui nesta área à coragem maluca de um advogado, filho de latifundiário, João Bosco Braga Barreto, esse feito histórico. Como se deve a outro advogado, filho de senhor de engenho, Francisco Julião, a organização das Ligas Camponesas. Como se deve a D. Zacarias, filho de grande proprietário de fazendas, promover a formação dos sindicatos dos trabalhadores rurais em toda a diocese”.

O impacto do programa “Verdade e Vida” foi imediato e provocou reações violentas. Padre Gervásio chegou a receber ameaças de morte. Um episódio marcante ocorreu em Jaguaribe, no Ceará, quando um latifundiário sofreu um infarto após ser chamado à Justiça por um meeiro. A família do fazendeiro culpou a Rádio Alto Piranhas pelo ocorrido e ameaçou o padre. Diante do perigo, ele leu a carta com as ameaças ao vivo e declarou que, se algo lhe acontecesse, todos saberiam os responsáveis. “Tô vivo, graças a Deus”, relembra com humor.

Apesar da pressão de setores conservadores, incluindo a União Democrática Ruralista (UDR), que tentou encerrar o programa, “Verdade e Vida” se consolidou como um dos mais importantes veículos de conscientização social da época. A história do padre Gervásio e seu programa representa um testemunho de coragem e resistência em tempos de censura e repressão.


Deixe Um COMENTÁRIO




quinta-feira, 22 de maio de 2025

A tradição da Fogueira de São João está desaparecendo

 Cleudimar Ferreira

Fogueira de São João no Sertão da Baia. Coisas do Sertão-Luiz Carlos Marques Cardoso

E o São João e as festas juninas? Estamos cada vez mais pertos desse momento festivo do povo nordestino. Lembro que já nesse mês de maio os preparativos; o estado de euforia; o clima festivo das pessoas; prenunciava como seria o colorido das festas juninas desse período do ano. No lugar onde nasci; onde vivi o vislumbre da minha infância, uma região modestamente acidentada, encantadora, cheia de relevos e elevados; baixios, rios e riachos, o período junino começava no finalzinho do mês de abril, com os moradores dos sítios e suas casas isoladas, fazendo as primeiras tarefas para viver em junho essa tradição popular.

De todas, a mais significativa - aquela que ficou para sempre na minha memória, era o jeito como as pessoas se dedicavam ao trabalho de concepção da fogueira junina. Um ritual quase sagrado de respeito a esse momento, pois seguia um curso involuntário que todos faziam como se fosse uma necessidade. A começar com a escolha da madeira (dos paus como chamavam) que seria queimada na véspera de São João. Nada era cortado ou blocado da pouca vegetação que havia no lugar. Mesmo quando chegava o mês de outubro, quando os agricultores começavam preparar suas terras para plantio, durante as primeiras chuvas de fevereiro do ano seguinte. Toda madeira era colhida na margem do rio. 

Muitos escolhiam a parte da chamada a mata ciliar, ou seja, a que ficava próximo do rio e, durante o preparo do terreno agricultával, reaproveitava e cortava algumas árvores secas, muitas caídas pela erosão no solo. Porém, muitas dessas árvores ou morriam por conta do excesso de umidade da terra arenoso ou eram cortadas para fins domésticos, e as que restavam, era arrastava em direção a margem, fazendo uma espécie de parede com troncos, galhos, gravetos e folhagens. Esse procedimento era para proteger, fazendo sombra para a vegetação nativa que preservava a beira do rio.

Essa madeira descartada nas encostas do rio, quando das primeiras cheias do ano, era carregada pelas enchentes e ficavam presas na margem do rio quando as águas baixavam.  Ou espalhadas nos baixios até onde as águas iam, durantes as inundações. Era nesse momento que todos passavam a procurar essa madeira como se procurava ouro, pois quanto mais grossa fosse os paus, mais duradouro seria o fogo e a fogueira. Tinha fogueira que durava até três dias. Essa lenha era trazida no lombo dos jumentos até os terreiros das casas onde era montada a queimada.

No dia e hora da queima, véspera do dia de São João, as famílias de reuniam ao redor das fogueiras, montava suas mezinhas cheias comidas típicas do mês, preparadas a partir do milho tirado das roças, colavam suas cadeiras e iam prosear, conversar e fazer suas simpatias. As crianças passavam a brincar com chuveirinho e traque de sala. Os homens nas beiradas dos terreiros soltavam seus foguetões, agradecendo a São João pela colheita farto do milho. Quando duas famílias se combinavam para serem compadre e comadre, o encontro aconteciam na beira da fogueira na residência de uma das duas.

A oração desse momento era mais ou menos assim: “São João disse e São Pedro confirmou, que você fosse meu compadre, por que São João mandou”. Essas palavras eram repetidas duas vezes pelas duas pessoas que queria ser compadre, uma do lado direito e a outra do lado esquerdo da fogueira, só que trocando de lugar, com as mãos dadas, por cima da fogueira. Essa mesma ocasião acontecia para as senhoras e os senhores que desejavam ser compadre e compadre. Esse ritual tradicional aos pés das fogueiras, geralmente acontecia entre seis e oito da noite, pois quando havia próximo onde moravam algum forró programado para esse dia, as famílias deixavam suas fogueiras queimando o resta da noite, já que muitas se deslocavam até o local do forró para se divertir, dançar e festejar São João.

A fogueira era no passado um elemento simbólico entre todos os momentos culturais das festas juninas. Com o passar do tempo, a falta de respeito e a descaracterização da cultura junina durante o São João, ofuscaram o seu brilho e a sua importância nesse período festivo do povo. A começar pela ligação da fogueira com o desmatamento. Depois com o falatório dos órgãos ligados a saúde pública, afirmando que esse procedimento era prejudicial à saúde das pessoas que sofria doenças respiratórias, também que as fogueiras poluíam o meio ambiente com suas fumaças e finalmente, que as fogueiras estavam aumentando o número de queimados nos hospitais públicos.

Tudo isso foi apagando as tradicionais fogueiras do mês junino, culminando com a sua proibição nas cidades, nos vilarejos e povoados, pela marcação cerrada do IBAMA, a quem desobedecia às normas impostas pelo órgão nesse período. Depois passaram a agir na zona rural, onde a tradição era mais fechada e cultuada. Da mesma forma aconteceu com os festejos, que praticamente estão proibidos, atendendo pedidos da sociedade protetores de animais, por achar que os barulhos dos fogos afugentavam o comportamento dos animais e, a suposta justificativa, que também nos hospitais o número de vítimas fogos de artifícios estava ficando cada vez maior todo ano.

Junto a todo isso, se ver correndo por fora, o desespero da tradicional cultura nordestina, que sem força diante da bolha explosiva dos ritmos urbanos, declaradamente representada pela indústria cultural, perde a cada festa junina o espaço reservado de direito ao autêntico forró raiz - de pé de serra, para outros ritmos vindos do Sul, desconexos e antiquados para o contexto junino do nosso São João. Eu nasci e cresci no meu lugarzinho, no Sítio Catolé, em Cajazeiras, fazendo e vendo os outros fazerem fogueiras do São João e nunca vi ninguém se queimar ou ser queimado nas fogueiras que fazíamos. Também não via e nem ouvia pessoas se queixarem das fumaças dessas fogueiras.

Até porque, o prazer de viver uma tradição tão bonita como é o São João; com tudo que ele nos proporciona; a sua musicalidade, as brincadeiras, os festejos, o congraçamento, as comidas típicas, as cores, a cultura, arte e a simbologia, nunca houve no passado, no tempo da minha infância, espaço para reclamação que alardasse fatos de que pessoas foram vítimas de queimaduras ou tiveram crises asmáticas por contas das fumaças das fogueiras de São João.

Portando, é cabível arriscar uma reflexão, a de que esse falatório afirmando que as fogueiras trazem problemas para segurança e saúde das pessoas. Não é bem assim. Pode até trazer, mas também não passa de argumento de gente de cidade grande, que não viveu ou nunca conheceu as verdadeiras tradições juninas do nosso povo. Que infelizmente a cada ano que passa, vai esfriando, desaparecendo ou sendo substituída por outras culturas que não é a junina e nem tem ligação com a cultura nordestina. 


Deixe Um Comentário





segunda-feira, 5 de maio de 2025

Os Bares das Cajazeiras Alucinantes

 Cleudimar Ferreira

leitura das imagens: 1ª. Bar Playboy Drinks, 2ª Bar dos Penetras, 3ª Karlos Center Bar e Drinks


Corria lentamente os idos anos 80. Nas duras vias das cajazeiras desse tempo, o suco magnético e aromático dos seus frutos, rompia o fundo dos copos flutuantes, nos bares das ruas centrais da cidade que não dormia nunca. Começava aí, a escalada raivosa em busca do novo, visivelmente talhada nas atitudes chocantes dos ideais de vanguarda. Nada de mal nisso! tudo muito bom, tudo muito bem para os que mesmo vivendo com o país, num período de turbulência social, com as primeiras manifestações públicas pela redemocratização, não enxergava nada por nada desse momento. 

Mas se via alguma coisa, fingia não ver, levantando o copo, acenando festivamente das calçadas desses bares, para aqueles que passeavam em ebriedade no outro lado da rua. O que importava era viver e, só. O objetivo orientava para altivez das coisas não aceitáveis, com intuído de causar admiração nos corações sensíveis ou nos conservadores fechados para as emoções. Bee Gees, pautava nos programas de maior audiência dos Dail local, sua melhor expressão. Por essa via, ‘More Than a Woman’ era a febre que juntava ao calor do agreste sertanejo e a puberdade de uma juventude sonhadora, no brilho final em preto e branco da TV Tupi.

Flutuando nesse momento, o que se esperava de curtição, era encontrado, mesmo limitado, na soberba interiorana dos finais de semana na Praça João Pessoa, que sempre oferecia o universo imaginário dos drinks coloridos; conversas e bate-papos do cotidiano, tudo em clima de birinights, guiados em plena luz negra de faros semiapagadas ou pelos globos giratórios das discotecas desse trecho. Como foi sublime esse momento, como foi eterno enquanto durou.

Se havia alguma dúvida da extinção desses locais, um passeio pela saudosa avenida, in loco, se consome essas lembranças como forma de reviver as nostálgicas conversas de bares em bares, cumprindo o percurso das horas, ao som dos ‘tintins’ dos copos de cristais e das batidas surdas nas mesas acidentais, que acolhia uma prole de praticantes de arremessos de taças embebecidas do consumido Pilsen Malt 90.

Se você não viveu o brilho cultural da Karlos Center; o populado petisco do Bar dos Penetras ou a testosterona do Bar dos Playboy, sinta-se à vontade em querer matar sua curiosidade ou assume que não conheceu esse tempo. Pois em sintonia com a embriaguez da vida, muitos que circularam por esses bares, descobriu em um copo de cerveja, que o mundo não gira, pois o mundo não tem forma. E que a terra não é o centro do universo. Mesma assim, era estonteante a saída desses bares, depois de um fim de noite.

A Karlos Center era um espaço quase temático. Isso porque havia serviços de bar; área de convivência com boate. Se destacou em meados dos anos 80, depois, motivado pela baixa frequência, o espaço de convivência foi desativado, ficando apenas os serviços de bar, drinks e petiscos. Em sintonia com a atitude jovem de sua época, o Playboy Drinks reunia o melhor do conceito em termo de espaço para juventude de sua época. Música, bebidas, petiscos, conversas. O Playboy Drinks Bar como queira falar, no auge da sua popularidade, instigou a moçada a paquera e construções de boas amizades.

Mas tudo isso é passado e, os bares do convívio de uma gente jovem alucinante, teve a sua alma embriagada, castrada e desmontada na escora de um balcão. E as suas decorações mal definidas, consternada na contramão que a boa estética, permitida para noites da cidade vespertina. Ficando nas poucas fachadas que restaram, as lembranças desbotadas das paredes, desenhadas com poster de astros da jovem guarda. Alvenarias de sonhos, encobertas por placas publicitários ou eletrônicas, das famosas Billboard incandescentes, que perduram na atualidade das cajazeiras permitidas.

DEIXE O SEU COMENTÁRIO

Visão geral da antiga Karlos Center Bar e Drinks - no centro comercial de Cajazeiras


domingo, 4 de maio de 2025

A Urgência de uma Rede de Apoio Governamental

Hélio Costa

Porta luz sobre pote. Fotografia: (autor) Cleudimar Ferreira

Nos dias atuais, a arte enfrenta um cenário desafiador que vai além das questões criativas e estéticas. Para muitos artistas, a luta pela sobrevivência financeira é tão intensa quanto a busca pela expressão de suas ideias. Em um mundo onde a visibilidade e a valorização do trabalho artístico são frequentemente negligenciadas, torna-se imperativo que os governos desenvolvam políticas de amparo que garantam um suporte sólido para aqueles que vivem da arte.

A realidade é que muitos artistas dependem exclusivamente de suas obras para sustentar suas vidas. No entanto, a escassez de espaços para exposição, somada à falta de incentivos financeiros, transforma o exercício artístico em uma atividade repleta de incertezas. A ideia de que a arte deve ser uma vocação pura, desvinculada de questões financeiras, é uma noção romântica que não se sustenta diante das necessidades práticas dos criadores.

Uma política governamental eficaz poderia estabelecer uma rede de apoio que não apenas ofereça espaços para exposição, mas também promova a visibilidade das obras, garantindo que os artistas recebam uma contrapartida financeira justa por seu trabalho. Isso poderia incluir desde a criação de editais de fomento e aquisição de obras até a organização de feiras e festivais que valorizem a cultura local, atraindo a atenção do público e, consequentemente, de compradores.

Além disso, o suporte pode se estender à formação e capacitação dos artistas, proporcionando-lhes ferramentas para navegar no mercado e desenvolver habilidades empreendedoras. A articulação entre artistas e instituições culturais deve ser incentivada, criando um ecossistema que favoreça a troca e a colaboração. Em vez de ver a arte como um produto isolado, é fundamental reconhecê-la como parte de uma cadeia produtiva que gera emprego, educação e desenvolvimento social.

A pandemia de COVID-19 evidenciou ainda mais as fragilidades do setor cultural. Muitos artistas se viram sem alternativas de renda e sem a possibilidade de expor suas obras. Em resposta, iniciativas comunitárias e coletivos emergiram, mostrando que a solidariedade é uma força poderosa. Contudo, essa rede informal não substitui a necessidade de uma estrutura governamental que ofereça segurança e estabilidade.

É hora de os gestores públicos e a sociedade em geral reconhecerem o valor da arte como um bem vital para a cultura e a identidade de um país. Investir em políticas de apoio ao artista é investir no futuro da nossa expressão cultural. A arte não deve ser apenas um passatempo, mas sim um pilar da economia criativa, capaz de gerar transformação social e econômica.

Que este seja o momento de reflexão e ação. A construção de um ambiente onde os artistas se sintam seguros para criar e prosperar é uma responsabilidade coletiva. A arte precisa de espaço, e esse espaço deve ser garantido por políticas públicas que reconheçam e valorizem o potencial transformador da criatividade humana.

Deixe o Seu C O M E N T Á R I O




terça-feira, 15 de abril de 2025

As ruas da cidade viravam paredes expostas com cartazes, fotos e filmes

Cleudimar Ferreira




Na era dos cinemas de ruas, as ruas da cidade de Cajazeiras, se tornaram paredes expostas em cartaz, que parecia projetar para o futuro todo romantismo de uma época, onde o cinema reinava absoluto, não só na produção das suas belas imagens ilusórias, mágicas, mas também sob o sentimento que essas icônicas estampas fotográficas provocavam na população que iam aos cinemas. Cartazes mostrados nas suas vias de pedras anômalos, eram sinônimos de aglomerações e curiosidades.

Mas tudo parou no passado, ficando o registro de uma época. Os retratos batidos pelos seus fotógrafos do tempo, são provas que Cajazeiras viveu esse momento com obstinação e paixão. Digo assim, por que vivi esse ciclo e percebia o apego a sétima arte, dos que frequentavam as três salas de exibições da cidade, estrategicamente distribuídas e fixadas no seu espaço geográfico, de acordo com as maiores movimentações e fluxo comum dos seus habitantes

Com a presença tão unânime do seu povo, os espaços de convivência da cidade iam se transformando em pontos de exposições das chamadas tabuletas de cinema. Pontos esses disputados pelos donos dos cinemas, para divulgação dos filmes da semana. Vias públicas a exemplo da Praça João Pessoa e Terminal Rodoviário, por certo era os locais de maior convergência de transeuntes.

A Praça João Pessoa, cuja posição urbana ficava e ainda fica na parte central da cidade, foi nas décadas 50 e 60 o principal entreposto ocupado pelo Cine Éden. Não por capricho do proprietário desse cinema, mas por ser a artéria onde estava instalada essa sala de exibições e ter a maioria dos bares, lanchonetes, danceterias e sorveterias como paradas obrigatórias da juventude cajazeirense dessa época. As aglomerações nesses espaços de convergência e entretenimento, também contribuía para o crescimento do público nas sessões do Cine Éden. 

Por outro lado, o principal terminal rodoviário da cidade - anexo ao Edifício Antônio Ferreira, era ponto cativo de divulgação dos filmes que seriam exibidos no Cine Teatro Apolo XI, de propriedade da Diocese de Cajazeiras. Para o exibidor do Apolo XI, o local era estratégico, por ser porta de entrada dos visitantes que chegavam e dos filhos da terra que retornava à cidade. 

A ocupação desses espaços públicos com essas carimbadas tabuletas, nos fazia entender como era percebível, sob o ponto de vista financeiro, o interesse de cada proprietário dessas salas. Ou seja, o Cine Éden acreditava na grande fluência de pessoas do centro comercial, por achar que essa concentração tinha um perfil mais popular. Nesse sentido, havia mais possibilidade de ter nas sessões da noite, principalmente as dos finais de semanas, o seu auditório lotado. 

No caso do Cine Apolo XI, havia uma confiança no movimento de embarque e desembarque dos ônibus e dos serviços de hotelaria do Edifício Antônio Ferreira, como fator importante para o aumento de público nas suas sessões diárias. Como esse cinema era um pouco afastado do centro, apostava também no poder aquisitivo da população da parte norte da cidade, onde o cinema estava situado, compreendendo aí os moradores da Barão do Rio Branco e das famílias de classe média da Rua Victor Jurema. 

Na contramão da prática seguida pelos cines Éden e Apolo XI, o Cine Teatro Pax, outro cinema administrado pela diocese, por ser o local de produção de tudo quanto era material de propaganda dos chamados cinemas do bispo, não tinha um ponto externo, específico, para divulgação da sua programação. A chamamento do público a sua sala, se limitava apenas aos cartazes colocados no seu interior ou na parte de fora do moro que quadava o seu adro. 

Como esse cinema estava situado na confluência entre o centro e as regiões sul e sudoeste da cidade, o público frequentador do Cine Pax - na sua maioria da zona sul, era fiel e mais cativo nas suas sessões, independente ou não do filme que estava em cartaz. Sendo quase certeza de auditório cheio. Por conta disso, achava o seu administrador, que as tais tabuletas de rua não eram tão necessárias, por isso, raramente se via esses espaços de propagando do Cine Pax, nas ruas de Cajazeiras. 

As tradicionais tabuletas, bases de madeiras emolduradas, para aberturas dos letreiros indicativos dos filmes que seriam exibidos nos dias da semana, enfeitava a paisagem central da cidade. Vez por outras, a pura abertura desses letreiros era quebrada e, os cinemas, embora esporadicamente, misturava colagem de cartazes coloridos com palavras, numa forma atrativa de atrair o público ao cinema. Mas isso era uma raridade e nem sempre era assim. O que prevalecia mesmo, era os evidentes letreiros estilizados.  

Essas famosas tabuletas, tão comum no espaço urbano da Cajazeiras do passado, simbolizava a melhor solução, em termo de propaganda, que os cinemas da cidade tinham para divulgar seus filmes. Elas eram um atrativo a mais no meio dos merchandisings que o comércio produzia para divulgar e vender. Muito mais do que simplesmente tabuletas publicitarias, elas eram também, objetos que compondo a paisagem urbana, serviram para testemunhar um passado, quando esses cinemas reinavam absolutos na vida dos cajazeirenses. 


DEIXE O SEU COMENTÁRIO





referências das imagens dessa postagem
:
 Borracha e Bosco Pinto. (fotógrafos que aturaram nesse periodo)

sexta-feira, 14 de março de 2025

DELÍRIO

João Batista de Brito

Pavilhão do Chá em João Pessoa. imagem do acervo do IBGE.


Estávamos na João Pessoa dos anos quarenta. A família era das mais tradicionais e o casarão ficava no Parque Solon de Lucena, na época área nobre da capital.

Analice fora criada com o zelo esperado: babá, aula de piano, Aliança Francesa, ginásio no Colégio das Lourdinas, secundário na Escola Normal, tudo cabível a uma moça de família abastada, ainda mais filha única.

Foi no tempo da Escola Normal, ali na Praça João Pessoa, que os problemas apareceram. Não se sabe como, Analice conheceu esse rapaz e, em pouco tempo começaram um namoro que, com certeza, se a família soubesse, desaprovaria de chofre. Rapaz pobre, residente no popular bairro de Jaguaribe, Júlio estava longe de ter as credenciais necessárias. Os dois sabiam disso e por isso mesmo se mantinham furtivos, feito dois criminosos.

Poucos conheciam o caso, mas o fato é que o namoro chegou aos ouvidos da família, e daí a pouco, estava peremptoriamente encerrado. Se Júlio sofreu, não se sabe, mas, Analice ficou mal, muito mal. Filha obediente, engoliu o veto, a separação, a dor...

Passou-se o tempo e, com as providências da família, eis que, finalmente, apareceu “o homem certo” para Analice, esta agora já nos seus vinte e um anos de idade. Dez anos mais velho que ela, Constantino era um alto comerciante, proprietário de vários negócios na cidade. Com o reforço da família, o namoro logo virou noivado, que logo virou casamento.

E assim Analice foi se adaptando como podia a essa nova forma de vida, em sua confortável nova residência, uma das mais elegantes da rua Visconde de Pelotas. Não é que não gostasse de Constantino, mas sentia que seu afeto por ele - um homem bondoso e compreensivo – era diverso do que sentira por Júlio. Havia carinho, sossego, respeito, mas não havia chama. Por isso, toda noite rezava à Virgem Maria para esquecer de vez o passado e aceitar o presente.

Aparentemente a Virgem Maria lhe atendeu a súplica. Já fazia cinco anos de casamento, e tudo caminhava dentro da normalidade esperada. Na condição de esposa e dona de casa, Analice vivia, se não feliz, ao menos tranquila, e, mais importante, em paz com sua consciência.

Essa paz começou a ser ameaçada naquele dia em que decidiu que as roupas de cama e mesa da casa estavam gastas. Conversou com o marido, o qual, rindo do problema, lhe lembrou que as Lojas Medeiros e Cia, ali na subida da Guedes Pereira, eram da família: era só ir lá, escolher e mandar entregar. Nem pagar precisava, completou ele, ainda rindo.

E assim lá foi Analice às Lojas Medeiros e Cia.

Para seu total espanto, quem a atendeu? Sim, ele, Júlio, o mesmo Júlio que, agora que o revia, sabia nunca haver esquecido. Estava mais maduro, porém, formoso como sempre, com sua sensualidade morena, o brilho no olhar, a fala doce e o mesmo sorriso franco. Trêmula e um pouco tonta, Analice desempenhou como pôde o papel de freguesa, e ele, aparentemente muito bem, o papel de atendente. Entre os tecidos mostrados, ela não deixou de notar o anel em sua mão esquerda, visão que não sabia se a acalmava ou se mais a perturbava.

Na noite daquele dia Analice não dormiu. Então seu ex-amor era empregado de seu esposo! O destino estava maldosamente brincando com ela... E a insônia persistiu por noites e noites.

Notando-a abatida, o marido aconselhou-a a divertir-se um pouco. Chamasse a vizinha e amiga Letícia e fosse a um cinema, ou saísse para um sorvete, ou um chá, coisas assim.

Sem convicção, Analice foi com Letícia à matinê do Cine Rex. Finda a sessão, a amiga sugeriu um final de tarde no Pavilhão do Chá, ao que Analice reagiu negativamente, escondendo a lembrança de que aquele fora o local do seu primeiro encontro com Júlio. A amiga insistiu, e por fim, Analice acedeu; afinal, não podia continuar fugindo de lembranças que não valiam a pena lembrar.

Pois essas aprazíveis tardinhas no Pavilhão do Chá se tornaram habituais, o que foi alimentando em Analice a impressão de que o passado poderia ser vencido.

Isso até o dia em que, mais um espanto, ela avistou Júlio na calçada da praça. Como assim? Ocorre que os alegres fregueses do Pavilhão do Chá, recinto aberto, podiam ser vistos pelos passantes, da praça e da rua, inclusive pelos passageiros do bonde que fazia o percurso Ponto de Cem Réis-Jaguaribe, o meio de transporte diário de Júlio.

E de repente Júlio veio vindo em direção a ela. Nervosa, Analice chamou o garçom. Não adiantou: ele aproximou-se, deu boa noite, cumprimentou Letícia com um aceno de cabeça, e em seguida, apertou a mão de Analice, e no aperto de mão, veiculou uma discreta tira de papel, que Analice jogou na bolsa sem ver o que era.

Em casa, a sós no seu quarto, leu. Havia um número de telefone e uma frase escrita: “pelo amor de Deus me ligue.”

Desfazia-se daquele pedaço de papel? Ou fazia o que ele implorava?



domingo, 2 de março de 2025

CONVERSAS DE CINE ÉDEN: O Caçador de Fotogramas

porCleudimar Ferreira

Imagem meramente ilustrativa, editada a partir de uma foto de uma cena do filme: 'Alguém 
me Vigia' de 1979. Em destaque a atriz Lauren Hutton, protagonista do filme
 

No auge daqueles três cinemas, eis que explode um dos momentos contagiantes da minha adolescência. Um intervalo no tempo, em que muitos viveram comigo e, outros que não vivenciaram, passaram mais adiante, também, a se envolver e ser parte desse instante. E o que foi bom, não houve idade marcada ou preestabelecida, pois o interesse naquela diversão, era unânime e, por ser assim, atraia a vontade de todos, independentemente dos anos que tivesse ou da seriedade que aparentava ter.

Quando eu andava pelas ruas de Cajazeiras, facilmente sabia entender o sentido daquela atração quase voraz. Uma febre por aquelas atraentes microimagens, pulsava em quase todas as residências, pois o que eu via nessa eterna urbe, era que uma casa aqui, outra ali, sempre havia um grupo reunido, vislumbrando com ajuda de uma razoável lente artesanal, manipulada, a partir de uma lâmpada comum, com água dentro e um foco de luz solar que surgia por uma abertura no teto; uns tais fotogramas de cores e luzes, na parede de algum lugar das suas moradias.

Os inventos variavam de tamanho, qualidade e quantidade. Muitos da meninada dessa época, abusava da criatividade, sempre buscando a perfeição, na melhor confecção daquelas pequenos caixas mágicas, que nos fazia viajar por um mundo de fantasias e sonhos. Colavam os quadrinhos magnéticos, um, depois um; outro, após outro, com ajuda de um durex, formando um improvisado novelo, com imagens dos atores, estrelas protagonistas dos filmes de faroeste ou épicos, preferivelmente, imitando os verdadeiros rolos de fitas que chegavam em latões, nas cabines dos cinemas, para serem revisados e projetados, durante as sessões a noite nas salas de exibições da cidade.

Não se via naquelas caixinhas de sapatos ou de madeira, a possibilidade delas serem transformadas em algo concreto, pois não havia, sobretudo, nenhuma ligação com a realidade, porém, apenas, pequenos objetos que lembrava a ilusão do cinema ou as imagens que nele víamos. Imagens reverenciadas, por demais amadas, principalmente quando olhávamos projetados nas paredes de nossas casas, os retratos gigantes de Jonh Weyne, Clenn Ford, Gregory Peck, ou as well-defined beauties em plano aberto, de Claudia Cardinale, Greta Garbo, Sophia Loren e Natalie Wood.

A busca diária por tais fotogramas, aumentava e, as portas dos Cines Éden, Pax e Apolo XI, nos intervalos das exibições, bem como, no período da manhã - momento de limpezas dessas salas ou nos horários da tarde - quando os operadores de projetores, revisavam os rolos de fitas; tinha caráter construtivos, já que era na procura das melhores imagens, que surgia a formação dos nossos melhores bancos de fotogramas e, a meninada da vizinhança, era ávida, não fazia concessão e valorizava a qualidade das imagens.

No começo dessa fábula cinematográfica, passamos a andar pelos lixos dos cinemas de Cajazeiras, procurando esses esquecidos fotogramas, descartados das partes dos filmes, que não era adequados para exibição nas grandes telas. Até aquela ocasião, para encontrar essas preciosidades, perdidas ou não nos dispensários dos três cinemas, era necessário chegar na hora que os operadores recolhiam o lixo produzido pela revisão, ou horas depois. Isso, se ninguém chagasse antes. 

Tinha alguns que chegava a fazer plantão nos fundos dos cinemas, tocaiando o momento que o auxiliar de operador descia com o lixo da faxina, para vascular os entulhos, ansiosos na esperança de encontrar uma imagem. Se a procura dessas pequenas janelas, era aparentemente uma tarefa difícil, mais difícil ficava, com o aumento do número de interessados envolvidos na brincadeira de cineminha em casa.

Com a crescente demanda por dessas imagens nos cinemas da cidade, os operadores de projetores, que também eram os responsáveis pelas revisões dos filmes, passaram a fazer esse trabalho e, tudo que era cortado das fitas, iam sendo guardados e vendidos a preços não muito satisfatórios, para muitos garotos que não tinha se quer um centavo no bolço da sua calça coringa e, tudo que precisava comprar, dependia da boa vontade dos pais.

Lembro que certa vez estava sendo exibido no Cine Éden um filme de Faroeste, chamado ‘O Irresistível Forasteiro’, com Glenn Ford. O filme tinha sido gravado em cinemascope e a imagem apresentava um colorido perfeito, com uma resolução de fazer inveja aos 4k de hoje. A exibição tomava toda a extensão da tela. Como já tinha assistido no dia da estreia, fui dois dias depois ao Cine Éden com alguns trocados na mão. Meu propósito, era adquirir alguns fotogramas do filme que mostrasse um plano fechado do ator protagonista, no caso, Glenn Ford.  

Quando cheguei a calçado do cinema, vi que a porta estava fechada, mas a janela da cabine dos projetores, que dava para a Praça João Pessoa, estava aberta. Perguntei com a voz um pouco alterada: - tem alguém aí? Ninguém respondeu, ninguém apareceu. Já que esse compartimento do cinema ficava numa espécie de plano superior, em relação ao auditório, pequei uma pedrinha no calçamento da Praça João Pessoa e atirei em direção a janela, fazendo a mesma pergunta feita antes: - tem alguém aí? Subitamente, vi um pé e uma mão aparecendo, quase empresados, naquela janela estreita e bastante comprida. Era Manoelzinho Justino, um dos operadores, que no futuro veria a ser uma das vítimas fatais do atentado a bomba no Cine Teatro Apolo XI.

Ele apareceu na janela e perguntou o que eu queria. Disse a ele que desejava adquirir alguns fotogramas do filme ‘O Irresistível Forasteiro’. Fitas cujas imagens tivesse atores em plano médio ou fechado. Ele prontamente disse que tinha e perguntou quantas eu queria. Respondi, umas cinco. Ele replicou: - É dois cruzeiros. Vi que tinha esse valor, peguei o dinheiro enrolei muna pedrinha com uma liga e, joguei em direção a janela. 

Ele recebeu os cruzeiros, conferiu e falou que ia pegar os fotogramas. Fiquei esperando alguns minutos. De repente, Manoelzinho reapareceu na janela e, jogou em minha direção, um pacotinho envolvido num papel. O passador de filmes encostou a janela e desaparece de mim. Quando olho o conteúdo do pacotinho, os fotogramas vendidos por Manoelzinho, só tinha imagem com cenas de paisagens, ou seja, planos gerais da cidade cenográfica, cowboys pastoreando ovelhas, desfiladeiros e montanhas da região oeste americana.

Tentei no mesmo instante devolver a encomenda adquirida com operador do Éden. Gritei em direção a janela superior do cinema, chamando: - Ô Manoelzinho! não são essas as imagens que pedi e nem as que comprei. Clamei com a voz altiva e o ‘cara’ não apareceu. Voltei a, apliquei a técnica de atirar uma pedra na janela da cabine de operação do cinema, mas o funcionário da sala de exibição não deu ouvido, não deu as caras.

E assim voltei com aquelas imagens provocativas, desqualificando o meu caminho em direção a balaústre cega da porta principal das casas pernambucanas. Quanto aos meus fotogramas, fui, como diz no popular, ‘enrolado’ pelo tal Manoelzinho do Cine Éden. Mesmo assim, deu para aproveitar, pois como disse anteriormente, as imagens e o colorido do filme ‘O Irresistível Forasteiro’ eram mágicas, um vislumbre para os olhos de qualquer adolescente que vivia aqueles dias fantásticos, simbolizados via as caixas panorâmicas dos nossos três cinemas.

D  E  I  X  E    O    S  E  U    C O M E N T Á R I O




 AVISO: Esse texto é único e tem registro. Plagiar ou copiar sem breve autorização do autor, poderá acarretar em pedido de reparos perante a lei.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Rótulos de cigarros, provavelmente fabricados em Cajazeiras e Sousa.

porCleudimar Ferreira

Imagnes meramente ilustrativa. Fonte: do acervo da Fundação Joaquim Nabuco


Que interessante. No acervo de fotografias da Fundação Joaquim Nabuco, encontrei essas duas imagens de rótulos de cigarros fabricados nas cidades de Cajazeiras e Sousa. Os supostos impressos dos produtos originários das vizinhas cidades, parecem ser anúncios publicitários, divulgados em algum órgão noticioso, em circulação no passado, na região de Sousa e Cajazeiras. 

Os rótulos, talvez seja também, ilustrações das embalagens ou das caixas dos cigarros. Foram confeccionados a partir do uso da técnica de impressão litográfica, pela Litografia Rua Nova 39, uma das mais antigas da cidade de Recife, Pernambuco. Sendo que, especificamente, o rótulo do cigarro fabricado em Cajazeiras, feito em cores; e o de Sousa, em Preto e Branco. É o que consta na ficha catalográfica dos impressos, no site da Fundação Joaquim Nabuco.

Como se ver nas imagens acima, a arte nos rótulos, apresenta um desenho diferenciado, porém representativo, simbólico, com ilustrações e temática bastante comum nas gravações do final do século XIX (período Imperial) e primeiras décadas do século XX, quando o Brasil trocou a monarquia por um regime político republicano. Os impressos originais, pertencem ao colecionador Professor e Doutor Roque de Brito Alves, conforme ficha catalográfica. O acesso as imagens, só é possível através da caixa/menu de busca do site da fundação, digitando as palavras 'Cajazeiras, Paraíba'.

Conforme os rótulos, o cigarro cajazeirense, se chamava ‘A Flor do Brasil’ e tinha a marca ‘As Duas Coroas’ fábrica de cigarros Rozado e Irmão, como fabricante. Já o manufaturado na vizinha cidade de Sousa, tinha o nome de 'Cigarros Sertanejos' e, era fabricado na cidade sorriso por A. J. de Mello. Provavelmente, os cigarros eram distribuídos e vendidos no comércio das duas cidades e nas cidades circunvizinhas.

D E I X E  O  S E U  C O M E N T Á R I O


Imagens: Acervo da Fundação Joaquim Nabuco / coleção Roque de Brito Alves

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Em Cajazeiras, um tea for two na porta de entrada para o Cine Éden

porCleudimar Ferreira

Inicio da Avenida (Praça) João Pessoa - Cajazeiras/PB, década de 50.

O título original do filme escrito nessa tabuleta, inserida no contexto visual que a foto acima expõe, por sinal, bem colocada na rua pelo Cine Éden, seria: 'Tea For Two' ou na linguagem pindoramista, ‘Chá Para Dois’. Protagonizado pela atriz Doris Day, ‘Chá Para Dois’ foi produzido em 1950, ano da invasão da Coreia do Sul pela Coreia do Norte e do anúncio para o mundo do desenvolvimento da bomba de hidrogênio. O filme teve a direção de David Butler, com roteiro escrito por Herry Clork, inspirado no musical da Broadway No, No, Nanette, espetáculo produzido por Herry Frazee, em 1919.

A película é uma comédia musical, romântica, ambientada nos Estados Unidos, que conta a história de Nanette Carter, uma herdeira aficionada por musicais, que é convencida a financiar um show na Broadway. Confiante no triunfo do espetáculo, o elenco passou a fazer os ensaios na casa de Nanette.

No primeiro dia de ensaio, o elenco chegou a sua propriedade, mas várias complicações cômicas aconteceram. Uma delas foi uma aposta que o tio de Nanette havia feito, a qual não conseguiu vencer. E o pior, um fato inusitado aconteceu nessa história, todo dinheiro que o tio dela tinha, que também era parte do dinheiro da aposta, o tio perdeu com a quebra do bolsa de valores.

Procurando uma saída para evitar o fracasso da produção, uma assistente de Nanette, conseguiu convencer um advogado a apoiar o show. Com o apoio do advogado, o espetáculo, ‘No, No, Nanette’, finalmente é realizado e, passou a se tornar um sucesso. 

Como se observa, a imagem do cartaz que foi exposto no início da Praça João Pessoa, não exibiu o nome original do filme, mas outro nome. Nesse tempo, era comum os filmes produzidos em outros país, entrar em solo brasileira e as distribuidoras, renomear, dando outro título aos filmes. O letreiro na tabuleta do Éden não é bem legível, mas dá para ler o que o letrista escreveu, o que nesse caso, me parece ser ‘Uma pizza para dois’.

O local na Praça João Pessoa onde o cartaz na foto está, era considerado da década de 50 até a primeira metade dos anos 80, a porta de entrada do Cine Teatro Éden. Então, era um lugar estratégico, não desqualificando os outros locais na cidade, usados pelas demais salas de cinema existente em Cajazeiras, para divulgação das suas programações diarias, como os cines Pax e Apolo XI.

Cartaz do musical 'No, No, Nanette' e do Filme 'Chá Para Dois'.

A praça, como caminho para o mais tradicional cinema de Cajazeiras, se destacava por ser a princpal artéria de convivencia da cidade; por ter também vários pontos pitorescos, conhecidos e frequentados pela população, a exemplo da Sorveteria Trianon de seu Chatô, que ficava nesse prédio de 1º andar que a imagem mostra, na esquina da Travessa Acácio, que dá acesso a Rua Higino Rolim e a Igreja Matriz Nossa Senhora de Fátima.

Do lado direito da fotografia, aparece em evidência, o prédio onde funcionou por muito tempo as Casas Pernambucanas. Na parte de cima das pernambucanas, ficava instalado a representação do Departamento de Estradas e Rodagem (DER-PB) e na calçada, a tradicional Banca de Revistas de Diana de Chico Bembem. Logo depois, o Cartório de Antônio Holanda e em seguida, a agência do Banco da Cooperativa Agrícola.

Por outro lado, as sombras do passado que a fotografia expõe, tanto do lado esquerdo, quanto do lado direito da principal praça de Cajazeiras, indicam que no momento do Click, o tempo romantizava, que esse instante, aconteceu no período da manhã, aproximando do meio-dia, com nuvens que prenunciava que a cidade estava vivendo um periodo chuvoso. 

Dependendo do dia e horário, as sombras podiam esconder Jeeps, Caminhonetes, Rurais, Caminhões FNM e os primeiros carros de passeios - com ênfase, a chegada dos Aero Willys na cidade. Porém, essas sombras não eram e, nunca foram contratempo, embaraço ou algo que escondesse o caminho em direção ao Cine Éden, principalmente se a estrela do filme fosse com Doris Day ou se o tema na fita, em exibição, falasse de Chá, de Pizza, de Prisma, Pássaros ou coisa assim. Pois o cinema, nos anos 50, era convidativo e, dependo ou não do que era exibido, o público comparecia, lotando as salas de exibições.  


Deixe o Seu COMENTÁRIO




quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

O Jornal A União, domingo - 26.01.25, Caderno Cultura, página 9, publicou matéria alusiva aos 40 anos do Teatro Ica.

Teatro Íracles Brocos Pires - Ica, antes e depois da reforma em 2018.

Um Palco em Festa

porEsmejoano Lincol

Íracles Brocos Pires, a dona Ica, diretora paraibana e entusiasta da cultura local, lutava por um espaço maior para a promoção de espetáculos em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Em meados dos anos 1970, a ideia começou a tomar forma, e ela vislumbrou a possibilidade de dar o nome do escritor Ariano Suassuna ao equipamento que seria construído. O destino não permitiu que ela pudesse ver o sonho tornar-se real, mas sua partida fez com que esse palco levasse o seu nome. Inaugurado há 40 anos, o Teatro Íracles Brocos Pires segue a missão de promover a arte do estado. A programação especial de aniversário se encerra hoje com shows do Grupo Dança de Rua da Paraíba e de Seu Pereira e Coletivo 401, a partir das 19h30.

A União cobriu o lançamento do Ica, entregue pelo então governador Wilson Braga, na edição de 29 de janeiro de 1985. Na mesma oportunidade, o gestor também realizou a inauguração do Estádio Perpétuo Corrêa Lima, o Perpetão, que àquela altura era chamado de Wilsão, em deferência ao político. Em seu discurso, Braga exaltou o trabalho dos artistas locais, como Marcélia Cartaxo, que, conta a reportagem, havia sido recentemente escalada para o icônico papel de Macabéa no longa-metragem A Hora da Estrela, de Suzana Amaral. “Que ela [a ‘casa teatral’, como chamou o governador] agora cumpra a sua missão história para o futuro”, projetou Braga, na sua fala à população.

Quem recorda o legado de Íracles é seu filho, o advogado Pepé Pires. Ele afirma que, quando da escolha de dona Ica para dar nome ao teatro, houve quem questionasse o fato de ela não ter sido atriz, ainda que tenha se empenhado em sua própria formação - nos anos 1950, rumou para o Rio de Janeiro, onde estudou no Tablado, fundado pela dramaturga Maria Clara Machado.

“Ela tinha um talento nato. Na década de 1960, encenou O Auto da Compadecida e contou com a participação do próprio Suassuna, que teceu elogios diante da capacidade dos artistas locais, incluindo a minha mãe, de realizar uma adaptação daquela qualidade”, evoca.

Íracles faleceu em março de 1979, num trágico acidente automobilístico em Jequié, na Bahia, mas Pepé afirma que a influência de sua mãe na cena local ultrapassa o título dado ao equipamento público - em consonância com a cena nacional, a diretora trouxe para Cajazeiras peças de vanguarda contemporâneas à sua circulação no Sudeste, como dona Xepa, de Pedro Bloch. “Antes da construção do espaço, minha mãe trazia duas peças por ano para a cidade. O Ica hoje é uma referência na cultura do município, que gira em torno daquele ambiente”, conclui.

PALCO PARA A “ANDORINHA”

Dona Ica também compartilha seu apelido com esse espaço: o Teatro Ica, como é carinhosamente chamado por atores e moradores, era uma demanda antiga da cena local. Antes, os artistas e o público tinham de recorrer a ambientes improvisados na rua, no antigo Colégio Diocesano, ou no Cine Teatro Apolo XI.

O ator Buda Lira, também cajazeirense, deu seus primeiros passos na dramaturgia justamente nos quintais e nas calçadas do município, quando de sua experiência com o Grupo Terra, montado junto com seus irmãos, Bertand, Nanego e Soia. “Participamos do grupo que fez a campanha para a construção desse teatro”, recorda.

Rivelino

Anos depois, mais experiente e residindo em João Pessoa, retornou ao Ica para se apresentar com dois espetáculos importantes em sua trajetória como ator: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, de 1992, e A Gaivota (Alguns Rascunhos), de 2007, ambos produzidos pelo Grupo Piollin, do qual passou a fazer parte. Buda atesta a importância desse teatro, considerando sua localização no interior do estado. “Acho que não chega a 5% o número de municípios brasileiros que possuem, oficialmente, casas de espetáculos”, declara.

Rivelino Martins, também ator e natural de Cajazeiras, conheceu dona Ica por meio de artistas contemporâneos à primeira-dama do teatro cajazeirense, como Larcy Nogueira. Com quase 40 anos dedicados à arte, encenou novas versões de espetáculos que, no passado, foram dirigidos por ela, como A Incelença, escrito por Luiz Marinho. “Era tida como uma mulher além do seu tempo, no nosso Sertão paraibano. Seja no teatro, na comunicação radiofônica e na política”, pontua. 

Nos primeiros anos, o teatro chegou a ser administrado, via modelo de comodato, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mas, atualmente, o Ica é gerido pela Fundação Espaço Cultural da Paraíba (Funesc). Rivelino ressalta que o vínculo com o Governo do Estado garantiu, em 2018, uma reforma que trouxe melhorias diversas, como a ampliação do número de lugares disponíveis, de 174 para 285.

“Ganhamos iluminação e sonorização modernas e uma sala de ensaios. A partir daí, companhias de teatro de outros estados do Brasil, que estiveram no Ica, consideram um dos mais modernos e equipados do Nordeste”, informa.

PROGRAMAÇÃO DE FÉRIAS

Desde o ano passado, o teatro é gerido por Iza Nonato, produtora e gestora cultural nascida em Cajazeiras. Na juventude, acompanhou os espetáculos que eram encenados no palco do Ica. Depois de alguns anos residindo na capital, retornou à sua cidade de origem para coordenar o espaço. Dentre as ações que fizeram parte desse aniversário de 40 anos, estão a construção de uma galeria fotográfica, que rememora peças e demais eventos que marcaram essas quatro décadas de existência, e uma exposição de figurinos e objetos utilizados por dona Ica em espetáculos históricos.

Iza enaltece a programação que tomou conta do teatro na última semana, incluindo recital de Jessier Quirino e a montagem de Beiço de Estrada, texto clássico do dramaturgo Eliezer Rolim. A gestora assevera que as comemorações continuam até o fim do mês com a grade do projeto Férias Funesc, que fornecerá ações culturais gratuitas voltadas para as crianças e adolescentes da rede pública de ensino (confira no quadro ao lado).

“O Ica representa não apenas um espaço de expressão cultural, mas também um instrumento de preservação da história e da identidade local. Ele tem um papel fundamental na formação de público e na promoção de artistas da região”, sustenta Iza.