Não tem jeito: todo final de
ano lembro meu amigo Baxter. Um cara legal, talvez meio bobão, mas gente boa.
Sua única mancada na vida foi aquela de se passar para emprestar seu
apartamento de solteiro aos seus superiores no trabalho. Entendam: era naquele
tempo em que não existia essa coisa prática chamada Motel, e, funcionário de
uma grande Empresa de Seguros, ele achava que esses empréstimos escusos de seu
modesto lar podiam lhe trazer promoções ou subidas de cargo.
Por causa disso, coitado,
vivia debruçado sobre a agenda, marcando encontros para os outros. Nos dias e
horários dos tais encontros, tinha que, depois do expediente, permanecer na rua
por horas, mal acomodado nos bancos das praças, sujeito a frio e chuva,
enquanto velhotes safados traçavam garotas de programa na sua cama. Negócio de
doido.
E ele próprio, sem ninguém. A
não ser que se diga que era meio caidinho pela ascensorista da Empresa, uma
moça bonita e simpática que, se não correspondia ao flerte, ao menos era super
gentil com ele.
Pois um dia, o que aconteceu?
Baxter foi chamado ao último andar do arranha-céu da empresa, falar com o
chefão. Sua tramoia havia sido descoberta, e quando ele estava para pedir
perdão, foi o chefão quem falou: ao invés de condená-lo, pediu a duplicata da
chave do apartamento, pois queria ser, a partir daquele dia, o único “freguês”.
E aquela foi, pra Baxter, mais
uma metade de noite na rua. Ao voltar pra seu apartamento, achou no assoalho,
um espelho de mão rachado. Devia ter havido briga entre o chefão e sua garota,
fosse ela quem fosse. Guardou o espelho rachado e, no dia seguinte, teve o
cuidado de entregá-lo ao chefão.
A recompensa pelo uso do
apartamento desta vez veio rápido: Baxter foi promovido e mudou de sala, do
andar em que estava para um outro, bem mais alto – e, na empresa, quanto mais
alto o andar do prédio, mais prestígio.
Por coincidência, ele estava
na sua nova e charmosa sala de trabalho, comemorando a promoção, quando a bela
ascensorista apareceu. Provando um chapéu novo, ele perguntou a ela se
combinava com sua postura, e aí, ela tirou da bolsa um espelho de mão e lhe deu
pra que ele mesmo se mirasse. Foi nesse momento que o mundo de Baxter desabou:
era o mesmo espelho rachado que ele encontrara no seu apartamento e devolvera
ao chefão, ou seja, a amante escusa do chefão era ela, sua tão adorada e
supostamente inocente ascensorista.
O baque foi grande, mas Baxter
tentou se segurar. A carreira profissional de um homem não era mais importante
que sua vida amorosa? Engoliu em seco e foi adiante. Quando o chefão solicitou
seu apartamento no dia de natal, ele, claro, cedeu. Naquela noite, ficou pelos
bares, tristonho, mas terminou arranjando uma paquera casual, que aceitou ir,
sim, para o apartamento dele. Naquela hora, mais de meia noite, Baxter sabia
que o chefão e a ascensorista já haviam encerrado o rendez-vous.
Ao chegar em casa, não prestou
não. Abrindo a porta do quarto tomou o maior susto de sua vida: lá estava a
moça, sim, sua linda ascensorista, em sua cama, desfalecida. Tentou acordá-la,
mas que nada: na cabeceira da cama estava um frasco de comprimidos para dormir
completamente vazio. E aí, foi um deus nos acuda. Telefonou imediatamente para
o chefão, mas este alegou que tinha esposa e filhos e que não podia fazer nada;
e sugeriu que Baxter, ele mesmo, resolvesse o problema. Assim, o pobre do
Baxter se acudiu de um médico vizinho e amigo, e foram horas e mais horas de
arrastar a moça desfalecida pelo apartamento, de lhe empurrar café goela
abaixo, e de muitas outras providências e cuidados.
Quando a moça melhorou,
terminou ficando uns dias no apartamento dele, e puderam conversar um bocado e
à vontade sobre as coisas da vida e as dores do amor.
Voltando ao trabalho, Baxter
foi chamado pelo chefão, que agradeceu suas providências e pediu, de novo, a
chave do apartamento, desta vez uma cópia exclusiva. E foi aí que veio a
redenção moral do nosso amigo Baxter: ele se negou a ceder a chave. O chefão
ameaçou demiti-lo, e ele, impávido e altaneiro, aceitou a demissão de bom
grado.
Na Noite de Ano, estavam a
jovem ascensorista e o chefão num salão festivo de bar quando foi anunciado o
nascer do novo ano. Ele virou-se de lado para brindar com todos, e ao voltar-se
pra brindar com ela, a moça havia desaparecido. Vocês não vão acreditar, mas
conto assim mesmo: não sei o que deu nela, que saiu correndo feito uma louca, e
foi bater na porta do modesto apartamento de Baxter, o qual, no meio dos móveis
empacotados para mudança, tinha, por coincidência, acabado de abrir uma garrafa
de champanhe para comemorar o seu desemprego e desalento. Brindaram os dois e
foram muito felizes depois daquele brinde. Creio que para sempre.
O espelho rachado? Ela jogou
fora e comprou um outro, novinho em folha, como o ano que se iniciava.