por José Maria Cavalcanti
Depois de morar em seis
pequenas localidades potiguares, finalmente íamos alcançar a tão sonhada
capital, a cidade do sol - Natal.
Seguíamos não só ao encontro
de belas praias, com um gostoso clima ameno, de um comércio forte, de boas
escolas e faculdades, mas acima de tudo de oportunidades.
De Natal também se falava da
sua importância no cenário mundial por ocasião da II guerra. E que o
ex-presidente Café Filho e o folclorista Câmara Cascudo, ilustres
rio-grandenses, que sempre foram amantes daquela boa terra, posicionavam-se
como seus fiéis defensores.
Assim teríamos de nos tornar
maiores para fazer parte daquele recanto mais ensolarado do país.
Para lá viajamos, tendo no
rosto o vento e na cabeça sonhos que nos impeliam pela 101, a imensa rodovia
que liga o Brasil de ponta a ponta.
Quando passamos pela entrada
da estrada de Ponta Negra, o cheirinho de mar anunciava a chegada. Estar ali em
cima, com apenas onze anos, vendo passar aquelas inúmeras imagens, fazia-me
crer estar envolto em um túnel mágico.
Fomos passando pelas montanhas
de dunas, área entre o campo de treinamento do Exército e o Campus
Universitário, faltando ainda trilhar alguns bairros maiores como o de Lagoa
Nova, Tirol, Petrópolis, descer depois a ladeira do Baldo, ganhar a Ribeira e chegar
às Rocas.
Para isto, ao chegar no nosso
destino, o possante inclinou-se todo na subida da rua mais íngreme do bairro
que iria nos abrigar. Ela se localizava quase no topo da ladeira, situada ao
lado da escadaria da Igreja São Jorge. E ainda entristecidos pela perda da
cidade de Santa Cruz, fomos saudados lá no alto por outra cruz, que nos
recebia, agora reluzindo sua luz na espada do santo guerreiro. E um pouco antes
de chegarmos ao topo da ladeira, guinamos naquela que seria nossa rua, a contar
daquele instante - a São Sebastião - homenagem ao santo mártir dos primórdios
cristãos.
Em cima do estradeiro, junto
às amarrações superiores que prendiam fortemente a mobília, dava para ver
aquela bola linda e alaranjada se debruçando lentamente sobre o Rio Potengi.
Era um belo entardecer de dezembro do final do primeiro ano da década de 70,
bem no início das comemorações natalinas e de mais uma Festa de Santos Reis,
nome de outro bairro limítrofe ao das Rocas.
Sob olhares curiosos, o pesado
FNM (fenemê), após os muitos quilômetros de asfalto, depois de rodar por
avenidas e ruas natalenses, começou a transitar em marcha reduzida, sobre o
paralelepípedo da sinuosa ruazinha que iria ser nosso lar nos próximos anos.
E aquele caminhão de mudanças
que ainda povoa nossas mentes, pois estávamos sempre sendo arrancados de um
lugar para outro, fazia-nos crer que finalmente iria nos plantar naquele novo
endereço, a Casa nº 50.
Tomados por muitas sensações,
inclusive ansiedade e dúvida, mal desconfiávamos que ali fôssemos viver
momentos ímpares, que iriam influenciar muito em nossas vidas.
Diante do novo lar, após o
carro ser detido em sua marcha, fomos conhecer por dentro a nova morada, antes
de começar a descarregar tudo. Ainda guardo bem de memória a fachada da casa,
pintada na cor salmão. Não era toda chapada, havia recortes rebaixados e
desenhados, que a distinguia das demais casas da rua. Havia uma charmosa área
coberta na frente, tipo antessala, com parapeito murado, que, através dela,
tinha-se acesso à porta principal, e, ao lado, à direita, um pequeno jardim com
roseiras, com grades brancas desenhadas sobre um pequeno muro.
Na lateral esquerda, um pouco
mais recuada, podia ser vista a garagem, toda fechada com grades altas, na cor
branca, à espera de um futuro carro; e, logo após, havia um quarto nos fundos,
que seria destinado aos quatro filhos: Francisco, José Maria, José Paulo e
João. Este dormitório tinha uma porta que dava acesso a um quintal espaçoso, o
qual fazia fundos com os pontos de comércios da Rua São João, a primeira rua do
Bairro da Ribeira.
As cinco meninas - Graça,
Edite, Lena, Margarida e Rita - ganharam o quarto que tinha vista para o jardim
frontal. Um pouco antes, havia o quarto principal, que era dos meus pais - Cleto e Francisquinha; depois o banheiro e finalmente a cozinha com área de
serviço. E o grande quintal, com apenas uma goiabeira e um coqueiro, estava à
espera de ciscadeiras, poedeiras e de um galo cantador.
Entramos pela noite a
descarregar os móveis e a montar guarda-roupas e camas. Os itens menores já
estavam dispostos em seus cantos, faltando os poucos quadros e espelhos de
parede. Após duas horas de trabalho e depois do lanche, regado a crush,
grapete, pão e mortadela, tudo estava em seus lugares, conforme orientações de
nossa mãe.
Com o cansaço da viagem e da
arrumação, não tardou para nos recolher, sem haver tempo de fazer os primeiros
contatos com aquela vizinhança ávida por informação. Por enquanto, eles teriam
que se contentar apenas com o que viram: móveis antigos de bom gosto e um casal
na média dos quarenta e poucos anos, com nove filhos.
Mas logo saberiam da filiação
daquela prole tão numerosa: Cleto, um pernambucano com 46 anos, funcionário da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. O qual, estando em Recife,
trabalhando duro e estudando, aos 28 anos, passou no concurso público da EBCT,
sendo designado para assumir uma vaga na cidade de Pau dos Ferros/RN. Dois anos
depois, conheceu Francisca, com 23 anos, que trabalhava como professora e também
no comércio local. Ela era nascida na cidade paraibana de Cajazeiras,
pertencente à família Alves e ele, tendo se apaixonado por aquela beleza
morena, casou-se com a cajazeirense em 1956, dando início a incursão de nossa
família pelo RN.
Guardo até hoje com muito
carinho cada detalhe da nossa chegada ao centro dos acontecimentos sociais e
políticos do RN, mas uma imagem não me sai da cabeça: aquele belo pôr do sol
que fez questão de ser nosso cartão postal, as nossas boas-vindas a Natal. Tal
cenário só podia ser visto em sua plenitude na parte alta do caminhão de
transportes. Lá de cima da lona, fui o primeiro a enxergar, por cima das
cumeeiras das casas, aquele entardecer inesquecível sobre a água doce do
sinuoso rio.
fonte: conto publicado em https://bollog.wordpress.com/contos/