por: João Batista de Brito
Já
escrevi sobre ela, e não me canso de fazê-lo. Fica ali nas areias de Manaíra,
perto da calçada, de modo que, sentado na muradinha, ela parcialmente me serve
de teto. Um segundo teto, posso dizer. Fica naquele trecho onde a rua
Eutiquiano Barreto deságua na avenida da praia. Não tem erro.
Debaixo
da castanhola de Manaíra me acomodo, toda tardinha, naquele horário em que o
sol, lá por trás dos prédios, se esconde. Quem quiser me encontrar, pra um
papinho leve, estou ali, inteiramente disponível.
E
tenho encontrado muita gente, amigos e amigas, que passam e param pra um alô. E
também pessoas que não conheço e que apreciam o recanto.
Ontem
mesmo foi assim. Estava sentado na murada, apreciando a paisagem, quando vi
chegar uma jovem senhora com sua cadeirinha de praia. Achei que, como muitos
fazem, fosse sentar lá longe, à beira das ondas, mas não: abriu sua cadeirinha
bem debaixo da castanhola e foi se acomodando. Olhou pra trás, viu que estava
me dando as costas, e corrigiu sua posição: puxou a cadeira até onde eu estava,
e, rindo, muito simpática, foi logo dizendo que amava aquela castanhola, e
sempre que podia, sentava ali.
Admirado
de encontrar uma parceira sentimental, fui falando da minha queda pela
castanhola, e dela ouvi a mesma história: que adorava aquela árvore, que sempre
a frequentava, e que tinha dezenas de fotos dela. Como prova, sacou o celular e
foi logo me mostrando as fotos. E fiz o mesmo. Quando sugeri que seríamos,
então, “rivais”, ela se apressou em apaziguar: “somos amigos da castanhola”.
Conversamos
até quase o anoitecer, quase sempre sobre a castanhola, ambos admirados de
como, neste final de inverno/começo de primavera, ela perde todas as folhas, e
renasce como uma fênix. As folhas mortas e amarelecidas ainda no chão, e dos
galhos já vão brotando novas folhas, verdinhas e brilhantes. O papo nos
estimulou a fazer registros fotográficos, que não veículo por não ter
autorização dessa minha nova amiga, cujo nome mal aprendi.
E,
como o meu leitor talvez lembre, essa moça simpática de ontem não foi a única
amizade que a castanhola me deu. Até jovens leitoras de Proust já descobri
debaixo de suas folhas, amarelecidas ou verdes.
Um que
numa certa ocasião me intrigou foi um morador local, que, ao me ver feliz da
vida sob a castanhola, me contou uma história perturbadora, ocorrida ali, no
tempo da pandemia. Residindo num edifício próximo, viu-se incomodado por
moradores de rua que se abrigavam justamente debaixo da castanhola. Segundo o
meu amigo, famílias inteiras passavam a noite toda ali, e mais uma parte do
dia, e, comendo, bebendo e fazendo suas necessidades fisiológicas, deixavam o
local uma imundície só, sem que as autoridades tomassem providências.
Pois
um dia em que esses “moradores” da castanhola estavam eventualmente ausentes,
meu amigo foi em casa, armou-se de um machado afiado e se dirigiu à castanhola,
decidido a derrubá-la pelo tronco, achando que estava prestando um grande
serviço à vizinhança e a ele mesmo.
De
machado na mão, preparou-se para o primeiro golpe, e aí, sem explicação, foi
tomado por um sentimento de culpa avassalador que o fez baixar os punhos... e
simplesmente desistir da tarefa. Voltou pra casa acabrunhado e aguentou a
sujeira dos seus vizinhos até a pandemia passar.
Ao
terminar de me contar o seu relato, não resisti e lhe joguei na cara, não sei
se uma acusação ou um elogio: “Você é um Raskolnikov que não usou o machado!”
Tampouco sei se ele conhecia Dostoievski, mas achou a minha frase bonita, e nos
apertamos as mãos, comovidos.
A
minha castanhola não é a única em Manaíra, nem na orla pessoense. Mas é a que
me cativou o espírito, quase tanto quanto a frondosa árvore que sombreia o
jardim de minha modesta residência, e que chamo cinematograficamente de “a
árvore da vida”. Mas essa é outra história...
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Fonte: Do Facebook do autor. https://www.facebook.com/profile.php?id=1827430791
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