Naquele tempo, o cenário do Rio Grande do Norte me oferecia a matéria-prima e o
silêncio necessário para criar. A Praia do Mel, com seus paredões de barro
avermelhado, parecia guardar histórias antigas que sussurravam ao vento. Havia
um curral desativado, testemunha de um tempo em que ali se criavam animais. Os
murões envelhecidos e os caibros abandonados carregavam em si o peso de dias
que passaram, e foi desses materiais que emergiram as oito cruzes.
Talhei com machado cada uma delas, deixando a madeira expor suas rugas, seus
sulcos, seus segredos. Não havia verniz para disfarçar o desgaste, tampouco um
acabamento que suavizasse a aspereza do tempo. As cruzes se erguiam em formas
distorcidas, escapando da rigidez do símbolo religioso, abraçando a
irregularidade como uma forma de devoção silenciosa. Em uma delas, quatro
cruzes se enlaçavam, formando uma espécie de giral, uma união de dores e
memórias, quase uma dança estática.
As esculturas repousaram no quintal de minha casa, como guardiãs de um espaço
íntimo, e eu parti em uma viagem. Quando voltei, um mês depois, encontrei
apenas o vazio onde antes elas se erguiam. Fiquei sabendo que alguém, ao passar
por lá, se perturbou com a presença das cruzes, enxergando nelas algo que lhe
causou mal-estar. A ignorância se aliou ao impulso destrutivo, e as esculturas
foram danificadas.
Não busquei culpados. A tristeza tomou conta de mim, mas aceitei o destino
daquelas peças como uma despedida forçada. Se fosse hoje, certamente não as
teriam destruído, pois o tempo concedeu ao meu trabalho o peso que ele não
possuía naquela época. Era o início dos anos 90, e eu já sentia que havia
conquistado meu vocabulário artístico, moldado a identidade que carregaria em
cada fase e proposta.
Essa história repousa na memória como o barro avermelhado da Praia do Mel: um
traço firme do passado, uma recordação viva de quando minha arte era ainda mais
vulnerável ao toque do mundo. As cruzes não estão mais lá, mas o gesto
permanece. Talhado, não apenas na madeira, mas na linha do tempo que segui
traçando, sabendo que cada criação carrega em si o risco de ser desfeita.
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