segunda-feira, 3 de junho de 2024

Desabafo do sanfoneiro, ou como as bandas deturparam o que se conhecia como forró

por José Teles

Sanfoneiro Genaro ex - integrante do Trio Nordestino

Em 2002, nos 90 anos de Luiz Gonzaga, fui cobrir a festa no Exu. Teve shows na praça no Centro da cidade. A atração principal era Dominguinhos. Ele começou a cantar e, do outro lado da praça, uns agroboys, com as portas da camioneta abertas, tocavam bandas de fuleiragem a todo o volume. Foi a primeira vez que vi Dominguinhos irado. Ele interrompeu a apresentação, deu um esporro. Alguma autoridade local, não me lembro se a polícia, conseguiu o silencio, e o respeito, que Luiz Gonzaga e Dominguinhos mereciam.

Agora vejo cá no perfil @gonzagaonline o desabafo de Gennaro, um dos mais importantes forrozeiros vivos, ex-Trio Nordestino, que gravou com praticamente todos os grandes de gênero. Gennaro queixa-se de que não está tendo vez nos arraiais juninos, em que predominam bandas e intérpretes de lambada estilizada, que se dizem de forró, sertanejos, axezeiros e afins.

As bandas, surgidas no Ceará nos anos 80, foram formatadas pra copiar o Kaoma, armação de gringos, que estourou mundo afora, em 1988, com Lambada (Chorando se Foi). Morei alguns meses em fortaleza exatamente nesse tempo. As bandas nem tinham a ver com São João. Animavam bailes tocando lambada. 

Os vocalistas não tinham rosto. O empresário juntava dez doze músicos, que se revezavam no palco durante seis, cinco horas ininterruptas. Tinham carteira assinada. Ganhavam salários. Muitas vezes uma banda usava dois ou três nomes diferentes.

Entraram em cena quando Caruaru, Campina Grande, e outras cidades conhecidas pelos festejos juninos, resolveram fazer o “maior São João do mundo”. As bandas só tinham de forró, a sanfona (que fazia parte do instrumental da Kaoma), mas seus empresários descolaram um artifício para se inserir nesse novo cenário. Acrescentaram um “forró” antes do nome do grupo. O empresário mais empreendedor deles, fundou uma gravadora, uma rede de rádio, formou mais bandas. 

As rádios passaram a tocá-las nas suas programações. E logo, em pipocaram bandas em todos os estados nordestinos. A princípio foram rotulados de “oxente music”. Mas acabou pegando o “forró estilizado”, ou “eletrônico”, como se fossem o desenvolvimento do forró tradicional.

Ora, bem antes das bandas, no final dos anos 70, começo dos 80, Jorge de Altinho, Alcymar Monteiro, já usavam metais em seus discos e shows. Em 1972, Luiz Gonzaga passou a tocar com guitarra e baixo elétricos e bateria. Mas empresários de muita grana investiram pesado nas bandas. 

Nos anos 2000 a Som Livre, a gravadora da Globo, contratou algumas bandas A partir de então, no Centro-Sul forró é a música das bandas. Ignoram os forrozeiros autênticos, uma geração talentosa que começou também no final dos anos 80.

Chamar estas bandas de forró seria o mesmo que chamar a axé de frevo. Felizmente isto não aconteceu, senão teríamos o “frevo raiz”, pra distingui-lo do frevo eletrônico baiano.

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