por Cleudimar Ferreira
Quando começou o
declínio dos cinemas em Cajazeiras, ocorrido no final dos anos 80, eu já estava
alçando outros aires na capital paraibana. Mas nem assim, com o fechamento em 1990, do último espaço de exibições que ainda continuava operando, passei a dormir com
outras salas no meu quarto de república estudantil. Não tinha como ser de outro
jeito, pois os fantasmas das três salas de cinema que havia na cidade, estavam
sempre na minha cola. Ao deitar-me para relaxar as emoções de um dia de
convivência no DAC/UFPB, bastava só um cochilo, aí eu os via saírem das telas
dos cinemas Éden, Apolo XIX e Pax e, por um capricho, eles começavam o Ritual Comanche
ao redor da minha cama. Um protocolado momento atemporal que mesmo hoje, na
condição de sexagenário, ainda permanece vivo nos meus sonhos, embora
esporadicamente.
Em se tratando
de sonhos, sonhos são relativos! Há aqueles que você gosta de sonhar e aqueles
que você foge da cama; perde uma noite de sono só para não arriscar sonhar. Os
meus, com relação as salas de cinema da minha terra, sempre foram bem-vindos e, até hoje, uma vez por outra, recorro a alguns goles de suco de maracujá para melhor
relaxar, dormir bem e sonhar eternamente com os bons momentos vividos nesses
cinemas.
Mesmos não
existindo mais, as suas memorias foram até aqui, os melhores meios que tive, que tem me prendido
a história desses cinemas e a relação que eles tiveram com a minha infância, bem
como, ao acesso psicossomático as últimas imagens que vi serem exibidas nas salas dos nossos três cinemas. Principalmente o mais tradicional de todos, o Cine Éden. Para ser bem claro, as recordações desses locais onde nos divertíamos em Cajazeiras, tem sido uma forma de manter viva no tempo, a minha remota convivência com esses cinemas, deixar a chama do passado, presente e, da esperança, acessa. Quem sabe
um dia veremos os três voltando a operar como era antes, embora no agora
agônico, vivêssemos momentos adversos que pouca ação relevante iria contribuir para esse feito
acontecer.
Todavia, enquanto até aqui esse sonho, de fato, não havia se materializado - com sua inesperada concretude, o que me contentava, eram os poucos mais de um mês de feras que eu passava no início de cada ano e, que me fazia voltar a Cajazeiras, para rever meus familiares; os amigos e como praxe, visitar as velhas salas de exibições em crise dos cinemas da cidade, que sempre capengaram com dificuldades, "as duras penas", graças as benevolências dos últimos frequentadores, que por paixão a sétima arte, insistiam em está presente nas noites de exibições de algumas dessas salas, mesmo vendo seus declínios acentuando e no meio dessa problemática, ouvindo também as agruras e os chororôs dos seus exibidores.
E foi em uma
dessas férias, há de 1991, quando voltava a Cajazeiras como sempre fazia, que
tive a grata satisfação de ter conversado sobre o Cine Eden, com um dos mais
destacados exibidores. Ao pisar em solo
cajazeirense, era sagrado o primeiro tour que eu fazia pela cidade, ser o de visitar os frontões desses
espaços de entretenimento. Ver se ainda estavam em pé e, se possível fosse, bater
aquele papo com as pessoas próximas a estes locais, procurar saber como iam os
cinemas. No caso do tour desse ano, comecei pala Praça Nossa Senhora de Fátima - a
famosa Praça da Cultura. Passei por ela, atravessei toda sua extensão e me desloquei em direção a Avenida Presidente João Pessoa, pela Rua Joaquim de Souza, até chegar à esquina do Edifício Ok.
Nesse momento as
emoções começaram cair como aquelas velhas fichas de telefone e, para completar
esse sentimento, ouvi vindo de uma residência ou de um local próxima de onde eu estava, o som embora distante da música “Treme From a Summer Place” de Max Steiner, que foi a trilha sonora original do filme "A Summer Place", de 1959. Esse momento pareceu coisa do acaso,
ou mesmo uma coincidência coisa de cinema. Tocado por esse inesquecível instrumental que marcou
entre os grandes hits sonoros da época de ouro das produções hollywoodianas da história do
cinema, foi me aproximando do Cine Éden. Quando cheguei na lacrada portaria
sanfonada que ainda estava lá, vi que havia dentro, no hall, muito entulho no chão,
restos de tabuletas, pó, cartazes empoeirados, alguns ainda nas paredes, outros jogados no piso e, os sinais ali a minha frente de abandono e
envelhecimento do local.
Não deu nem para
discernir a tristeza, pois nesse momento a sombra de uma pessoa veio até a mim e
convincente disse: - aí não tem mais nada não, amigo! Faz uns quatro meses, acho,
que fechou! Eduardo, o dono, já vendeu até um dos dois projetores para um homem
de Juazeiro. Eu olhei um pouco de lado para aquele desconhecido e simplesmente respondi: - foi? E
ele me replicou: - Foi! Depois, esqueci aquela inesperada sombra e sai de fininho.
Deixei aquele mortificado local, onde o Cine Éden havia vivido com glamour seu
papel de um dos grandes cinemas de sua época. Cruzei a Avenida Presidente João
Pessoa em direção a continuidade da Rua Joaquim de Souza, rumando em direção à
Rua Epifânio Sobreira.
No traçado irregular
do percurso da Rua Epifânio Sobreira; envolvidos com as fachadas e placas das
lojas daquela arteria comercial; no vai-e-vem dos transeuntes; os passos me conduziram até a Praça
Coração de Jesus, próximo as cerâmicas populares de dona Lourdes Louceira,
estiradas a céu abertos no calçamento escaldante da esquina da Danielle
Boutique.
Admirado com a beleza
daquela arte popular, ali exposta ao chão, a ferro e brasa, porém ainda em
mente, tocado com as palavras da sombra inesperada que apareceu do nada na
calçada do Cine Éden, desliguei-me de toda movimentação daquele sábado de feira
livre e, voltei a si. Passado a zonzeira, percebi que estava quase na entrada da Farmácia Coração
de Jesus. Dei mais uns passos, olhei para o interior do estabelecimento farmacêutico
e me dirigi até o balcão. Prontamente um dos balconistas me atendeu e perguntou
o que eu queria. Então eu respondi a ele: - falar com Eduardo Jorge! O rapaz olhou
para o final do balcão e foi logo dizendo: Pois não, ele está ali no escritório,
pode entrar.
Ao aproximar-me de
forma inesperada do aposento empresarial daquele último exibidor cajazeirense, ele
foi logo percebendo a minha chegada, acompanhando com olhar surpreso a minha
entrada no seu local de trabalho. Com a mão na maçaneta, foi abrindo a porta e
ao mesmo tempo, pedindo licença para entrar. Dei bom dia e ele respondeu: - Bom
dia, pode sentar-se, o que deseja? Então eu disse para ele: Falar sobre cinema! Aí nesse momento, o homem
respeitosamente replicou dizendo: Pois não, pode falar. É sobre o que? Indaguei
mais vez indo logo ao assunto: - É sobre o fechamento do Cine Éden. Você lacrou
mesmo o cinema, rapaz? Ele olhou para mim e disparou a sua lábia: - Rapaz, sabe
de uma coisa, você não é a primeira pessoa que me pergunta sobre o fechamento
do Cine Éden. E acrescentou: Não dava mais para mantê-lo aberto. E continuou:
- Eu vinha fazendo
de tudo para manter o cinema aberto. Não havia mais público. Abati o valor da
entrada, mas não resolvi a crise! Até filmes pornôs fui obrigado a exibir
tentando trazer o público de volta ao cinema, mas foi pior. No início até que deu
um pouquinho de gente, mas o tempo foi passando... Você sabe, a Praça João
Pessoa é um local bastante popular, muito frequentada. Há ainda ali, muitas
residênciais onde os moradores mantêm a tradição de colocar as cadeiras na
calçada para conversar com o vizinho e olhar quem vem e quem passa. Muitos que
tem suas casas em frente ao cinema, ficavam sabendo quem entrava e saía do
cinema para ver esse tipo de filme. Por conta disso, o público, na sua maioria do
sexo masculino, foi diminuindo. Ninguém queria arriscar passar uma vergonha,
pois se fosse visto na porta do Cine Éden para assistir um filme assim, no outro
dia a cidade inteira ficava sabendo. Assim relatou o último proprietário do
Cine Éden.
A nossa conversa
não prosperou muito e, nesse instante, tentei fazer uma reflexão a partir do
que ele acabara relatar sobre a história da crise do mais tradicional cinema de
Cajazeiras, antes do seu fechamento. Lamentei toda problemática levantada e perguntei
por que não buscou socorro da UFPB. E até adiantei que poderia ter feito um tipo
de parceria com os professores universitários, até mesmo com a Prefeitura, para
não ter que fechar o cinema. Aparentando um certo stress, antes mesmo que eu
terminasse o meu raciocínio, ele cortou a minha fala e disse: - Tudo isso eu
fiz, mas não deu certo, foi pior ainda. Não tive outro jeito, outra saída. E
acrescentou: - Você queria que fizesse mais o que? Teve dias que abri o cinema
e tive que fechar por não aparecer uma só pessoa para ver o filme que seria
exibido.
Nossa breve conversa
parou por aqui. Levantei-me da cadeira, ofereci a mão direita como despedida e
disse a ele: - Está certo! Muito obrigado pela sua atenção. Depois saí de fininho
em direção à Rua Padre José Tomaz, entre as tarimbas e as barracas daquele dia de feira. Semanas depois, voltei a capital paraibano levando comigo na cadeira do ônibus, todas as memórias e lembranças possíveis do Cine Éden; bem como dos grandes clássicos exibidos na
sua tela panorâmica e das Cajazeiras do meu tempo de cinéfilo.
Bom texto. Na minha cidade não teve cinema, apenas um senhor vinha de uma cidade vizinha e passava alguns filmes e depois voltava. Isso só acontecia uma vez por semana.
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