por: Mariana Moreira
A música vai, sorrateiramente,
emergindo de lugares de memórias. Sutil, vai se encorpando em notas, tons e
letras que a ontens. E, espontaneamente, começo a cantarolar: “o meu peão só roda com ponteira. Com ponteirinha
rasteirando pelo chão”.
E as lembranças de Zé do
Norte se materializam no I Festival de Artes de Cajazeiras, em 1985. A lerdeza
do pós-almoço nas sombras dos fícus na entrada do Colégio Diocesano, que
abrigava a secretaria do evento, é exorcizada pela presença daquele senhor de
andar sertanejo, chapéu de couro na cabeça e um bornal atravessado no peito,
bem comum a tantos dos nossos que, na lida agreste da vida, usa para abrigar,
sobretudo, o fumo de rolo, a palha de milho e a afiada peixeira que, entre
tantas utilidades, serve para picar o fumo, cortar e fechar a palha no
prazeroso cigarro.
Escolhido patrono do
festival, por ser cajazeirense, Alfredo Ricardo do Nascimento, mas para todos
Zé do Norte, chega acompanhado de Raimundo Nonato, então secretario de Cultura
do Estado.
As lembranças também
ganham dimensão de vida na buliçosa alegria que pulula em nossos olhos, meu, de
Gutemberg Cardoso, de Fábia Carolino. Espantoso encanto com aquele homem
simples que, apesar do grande intervalo de tempo em que esteve afastado do
sertão cajazeirense, fala como se estivéssemos a escutar um dos nossos a
prosear sobre visagens e malassombros em tantas bocas de noite enluaradas de
minha infância.
À noite, no palco do
Teatro Íracles Pires, sua voz embargada pela emoção canta e plenos pulmões: “Olê mulher rendeira, olê mulher rendar”.
E a música se faz vida neste sertanejo que escapando de uma “sina histórica” de morte ou degredo, se
faz nome e música no sul do país e no mundo, quando compõe a trilha sonora do
filme O Cangaceiro.
Em entrevista que me
concede para o Jornal A União, na paisagem oásica da Estância Termal do Brejo
das Freiras, revela seu lado galanteador, alegre, mas também melancólico, com
as ingratidões que diretores e executivos lhes tributaram ao não dar o reconhecimento
correto de autoria de parte sua fértil obra musical, mas também literária.
Entre risos e prosas rasteiras e grávidas de reminiscências, ele manifesta o
desejo de vir morar na Paraíba, mais precisamente, no Sertão, onde queria
terminar seus dias e sepultar na terra agreste, mas afetuosa, seu corpo.
Volta para o Rio de Janeiro levando essa esperança, que vai ser adida a mais uma das injustiças que este artista acumula. Alguns anos depois, uma sobrinha cajazeirense que ele conhece durante sua presença no Festival de Arte me procura e me traz notícias suas. Estava vivendo em um abrigo de idosos. Passa-me o telefone do local. A ligação revela um
interminável tempo até que do outro lado da linha uma voz cansada, mas ainda marcadamente contagiada pelo nosso linguajar, me abraça de longe.E, na sua verve de poeta,
se despede como a encerrar essa nossa breve, mas para mim, prazerosa amizade,
dizendo: “Mariana, dia desses um conhecido me visitou e te mandei esse recado: -
Se você for à Paraíba, dê um pulo em Itabaiana. Depois vá a Cajazeiras e dê um
abraço em Mariana”.
Ah! Essa “sordade, meu bem sordade”.
fonte: https://auniao.pb.gov.br/
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