por: Chico Viana
Recentemente tive essa experiência ao
perder a minha sogra. Já com a idade avançada, ela tinha problemas de
hipertensão e artrose em várias articulações, o que a mantinha praticamente
imobilizada. Vivia (se é que se podia chamar a isso viver) entre a cama e a
mesa, onde fazia sem muito gosto suas refeições. Vez por outra colocavam-na
numa cadeira, próximo à calçada, de onde olhava a rua e cumprimentava os
conhecidos.
De repente apareceu com falta de ar.
Pensou-se que era efeito de uma chuvinha que a surpreendera num daqueles
instantes de espairecimento, mas era coisa mais grave, e de nada adiantaram as
nebulizações. Seu coração começava a dar sinais de falência e horas depois
parou.
A par da perplexidade e das lágrimas,
vieram os ritos burocráticos (deles não escapamos nem na hora da morte). O
corpo foi enviado ao IML, onde minha mulher respondeu a uma série de perguntas
sobre as circunstâncias do óbito, até ser enfim liberado para o velório.
E então nos vimos naquela minúscula
sala, circundando o esquife e cumprimentando os amigos e conhecidos que
chegavam. É um lugar estranho para reencontrar parentes que há algum tempo não
víamos. Mas, enfim, quem é vivo sempre aparece, enquanto aos mortos cabe
perecer. A morte muitas vezes une os que a vida dispersa, talvez por ser um
evento de que ninguém se livra. Perante ela nos tornamos humildes e solidários.
Após o ritual religioso e o
fechamento do caixão, veio enfim o momento do enterro. Momento grave, de
compungida reflexão, pois concretiza a ideia metafórica de que do barro viemos
e ao barro vamos retornar. Minha sogra foi colocada onde estão os restos
mortais do marido, morto há alguns anos, e houve quem visse nesse “reencontro”
o selo de uma convivência marcada pela harmonia conjugal.
Enquanto os funcionários assentavam
os blocos de laje sobre o caixão, eu olhava a pequena plateia silenciosa que
acompanhava esse trabalho. O que passava pela cabeça de cada um era um mistério
tão grande quanto saber o que fazemos aqui para chegar a tal desfecho. Dizem
que não é bom pensar nessas coisas, mas como, em momentos iguais a esse, fugir
à assustadora percepção do que nos espera?
Na
volta para casa, nada falei que pudesse quebrar o silêncio da minha mulher.
Sabia que ali, em meio a lembranças ainda vívidas, começava o lento e doloroso
trabalho de esquecimento. Segundo Freud, é falando do morto que se realiza o
luto. Mas a perda era recente demais para que nos animássemos a dizer qualquer
coisa. Só depois, com o auxílio das palavras, iríamos recompondo-a sem maior
sofrimento (e até com alegria) em nossas recordações.
.............................................
Chico Viana é professor de língua e literatura brasileira
fonte: acesse https://chviana.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário