A tela mista faz nascer a vontade de
estabelecer um diálogo ainda mais heterogêneo com quem vai receber a obra. Essa
recepção não é somente para quem encomenda o quadro. Qualquer pessoa que
estiver, em plena consciência, interpretando o que é exibido, passa a ser uma
recepcionista do objeto. A partir do instante em que olha o que está criado,
faz uma crítica, mesmo que não publique, mesmo que não conte ao vizinho.
Um dos pontos mais belos dessa viagem é saber
que cada leitor interpreta de uma maneira. Algo positivo e natural. Algo único.
Cada um analisa a mistura como puder. Chamo de tela mista o resultado de alguns
elementos: tinta, tecido, linha, papel, miçanga, fita, botão, plástico e o que
puder brotar com a inspiração. Certa vez, uma amiga me falou que não gostava
desse tipo de intervenção, que achava pobre, que preferia somente as tintas.
Outra vez, um amigo sugeriu que eu não pintasse mais com acrílica, que migrasse
para óleo, argumentando que o produto final seria mais elegante.
Gosto de ouvir as críticas. Realizadas com
cuidado, com certo carinho, noto um estopim para outros achados experimentais.
O que faço com as telas é experimento, um teste prazeroso. Apesar de
compreender certas técnicas, é a voz da intuição que chama mais forte. Foi
depois de ouvir uma singela crítica, e examiná-la com paciência, que resolvi
sair das minitelas. Quando comecei a pintar mais frequentemente, e com
envolvimento mercadológico, não saía dos dez, quinze, vinte centímetros. Achava
aquilo tão normal. Sugeriram que eu fosse aumentando o tamanho de forma
gradativa, para que eu não me impactasse. Deu certo. Descobri, então, que a
experimentação é também uma abordagem mental. Acreditei que podia avançar na
metragem da criação. Acreditei e fiz. Veio um medinho bobo. Passou.
A concepção mista, contudo, ainda não chegou
às telas maiores. É meu novo desafio nesse campo. Vale lembrar, até para mim
mesma, urgente, que essa atividade é concomitante aos meus estudos acadêmicos.
Os estudos são obrigatórios e obedecem a um prazo; as obras artísticas são
livres e passam longe do calendário. Preciso dessas duas forças para manter um
equilíbrio. As crônicas ficam na cola das duas vertentes, às vezes com cheiro
de obrigação, às vezes mantendo um pacto com o espaço sideral da Literatura.
Olho em mim, eu e o mundo, em cada palavra, cada vírgula, cada cor. Sou eu,
Cristina. Pergunto. Respondo. Olho de novo.
Quando não consigo produzir muito bem uma
coisa ou outra, sim, também sou eu. Poro a poro. Eu, aos pulos ou aos prantos,
com uma extensa lista de painéis ainda brutos no cérebro, com pensamentos ainda
nebulosos, com um coração manuscrito. É o eu dentro de vários eus. Pareço uma
miniatura, eu, mais uma vez, numa enorme pausa, numa hibernação serena de
ideias, numa sintonia com a correnteza. Comecei a respeitar esse intervalo,
essa distância entre o pensar e o executar. Combinou.
O material da tela mista em tamanho maior, por exemplo, faz tempo que está ali, me olhando. Diz, sorrindo: ei, criatura, precisamos surgir, precisamos de uma expressão, precisamos de uma vida, precisamos ser. É que o trabalho artístico torce para ser. Ser certificado, ser batizado, oferecer um título. Vence o que for mais adaptável. Na conclusão, aparece, então, um nome, um misto desse eu comigo. Não há dúvida. Sou eu, aos recortes, no quadro que se apresenta. Eu, acordada, em cada milímetro.
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