sábado, 3 de dezembro de 2022

Professora Carmelita Gonçalves

















   Crônica   
por: Francisco Cartaxo

Carmelita Gonçalves (1924-2022) nos deixou, em outubro, com a avançada idade de 98 anos. Viveu quase tanto quanto o padre Inácio de Sousa Rolim (1800-1899), nosso insuperável mestre, que atravessou por inteiro o século XIX. Ela presenciou odientas turbulências de um mundo louco. Dedicação e amor ao ensino unem os dois. A lembrança de um completa-se com a imagem da outra. Meu pai, atendendo minha curiosidade de criança, mais de uma vez, descreveu a figura magrinha de seu tio bisavô, que ele via andar, em seu passo miúdo, nas ruas de Cajazeiras do final daquele século. Essas lembranças de narrativas de meu pai, só fazem aproximar em mim os dois baluartes de nossa história educacional.

Quando comecei a frequentar, menino de calça curta, a escolinha de Carmelita funcionava em sua própria casa, em frente à estação ferroviária. Ela já era minha conhecida de tanto vê-la me abraçar e me pegar em seus braços. Como assim? Carmelita era muito amiga de minhas irmãs Ilina e Nanza. Esta quase da mesma idade. Eu a via como uma pessoa de casa. Além disso, Nanza foi sua colega de turma no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, como agora confiro no livro de João Rolim da Cunha. Entre as 22 normalistas que colaram grau, em 1943, constam os nomes de Ana Sales Cartaxo e Carmelita Gonçalves da Silva. Nanza era apelido herdado de nossa avó paterna, Mãe Nanzinha – Ana Antônia do Couto Cartaxo.

Carmelita Gonçalves concluiu o curso de professora, cem anos depois que o padre Rolim teve, em 1843, seu colégio considerado instalado. Mera coincidência, eu bem sei, mas de qualquer sorte é uma curiosidade na história das duas vidas dedicadas à missão de transmitir com amor saber aos outros, cada uma a seu modo, em seu tempo. Sem fazer comparações subalternas, padre Rolim e Carmelita são inigualáveis tendo em vista a enorme contribuição dada ao processo educacional da juventude do sertão.

Guardo nítidas recordações da escola de Carmelita, em sua primeira fase. Da paciência, do afeto com que, na década de 1940, tratava os meninos, mal saídos da alfabetização. Lembro também do caminho que eu percorria, todos os dias, de minha casa perto do balde do Açude Grande até a Praça da Estação, onde me encantavam a visão da máquina gigantesca e cantante - café-com-pão bolacha-não, café-com-pão bolacha-não-e o apito do trem. Que saudade!

P S - Nanza ainda tem vista para ler, mas talvez lhe falte lucidez para sentir esta crônica.


fonte e imagem: Diário do Sertão

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