sexta-feira, 2 de setembro de 2022

ELA FOI EMBORA

por: João Batista de Brito

direitos da Imagem: es.123RF.com

Abri os olhos, espreguicei-me, respirei fundo, e me virei de lado para curtir só mais um pouquinho a maciez da cama.
Foi aí que vi. Ela não estava do meu lado. Ela que sempre acordava depois de mim. Bem depois.
Tudo bem. Devia estar no jardim, tomando sol, ou na cozinha, beliscando alguma fruta.
Lutando contra a preguiça, levantei-me, troquei de roupa, e saí do quarto no encalço dela. Na cozinha não estava, nem no jardim, nem no quintal, nem em parte alguma da casa. Estranho.
Será que fora caminhar no quarteirão? Ou tomara o rumo da praça do bairro, ou talvez mesmo da praia? Fosse o que fosse, era estranho: ela nunca fazia isso. Pelo menos sem me avisar, não.
Sem respostas, tomei meu banho de sol habitual, depois o de chuveiro, fiz o café de costume, e me dirigi ao gabinete.
Sentei-me à frente do computador, com a intenção de escrever minha crônica semanal, mas não saía nada. E eu sabia: sem ela, não conseguiria escrever uma única palavra, muito menos um texto.
Tristonho, deixei a manhã passar, na esperança de que, de repente, ela poderia retornar. Na verdade, passei o resto do dia nessa angústia, esperando que ela batesse no portão, de volta para o meu espírito limitado.
E nada. Uma vez bateram no portão: era o rapaz da Energisa, com a conta da luz, aliás altíssima. Outra vez foi a catadora de lixo, que pegou o vício da minha ajudinha. Outra vez, foi o motoboy, para entregar um livro que eu pedira à Livraria do Luiz, a Antologia de Luiz Fernando Veríssimo.
Mas, dela nem notícia.
Pois é. Dona Inspiração fora embora e me deixara assim, vazio, perdido, inútil.
Por que será que Dona Inspiração me abandonara, assim, sem mais nem menos, nessa quinta-feira ensolarada, justamente o dia em que mais preciso dela, o dia em que redijo minha crônica da semana para o Facebook e outros lugares? Por que desaparecera daquele jeito? Pura falta de consideração. Ou de misericórdia. Ela sabia muito bem que os meus leitores me aguardavam. Sabia que eles iriam estranhar se, na sexta-feira, bem cedo da manhã, não recebessem a notificação da minha crônica.
Acho que a fuga de Dona Inspiração tem a ver com esse ilusório momento de pós-pandemia em que estamos.
Por certo, Dona Inspiração deve estar achando – e, iludida ou não, é direito dela achar o que quiser - que não vale a pena ficar trancado em casa, a bunda pregada numa cadeira, a cara focada numa tela de computador, fazendo esforços mentais e físicos para redigir textos tolamente pretensiosos que deem a impressão de que sou inteligente e criativo.
Imagino que a essa altura ela deva estar curtindo o mundo lá fora, faceira, maliciosa, cheia de si, alheia ao covid e outros vírus, gozando da minha cara, e de meu espírito medroso.
A depender da hora, eu a vejo em locais diferentes, sempre bem mais atrativos – reconheço - que a minha monótona e mofada residência.
Daqui onde estou socado na minha tristeza, eu até a vejo, ao meio dia, num daqueles quiosques de Tambaú, de roupa de banho, tomando uma cerveja bem gelada, com tira-gosto de camarão, sentindo o vento nos cabelos soltos, fitando o marzão a sua frente. Ou, à tardinha, naquele terraço do Mag Shopping, lambendo um delicioso sorvete de chocolate suíço banhado com molho de baunilha. Ou, à noite, na calçada da Sapore d´Itália, se deliciando com uma pizza marguerita massa fina e vinho Leon de Tarapacá, divertida em observar o pessoal descontraído que, sem temores, passeia no calçadão...
Enfim, aos meus leitores do Facebook, peço desculpas pela falha, e prometo que, se a sorte me proteger e Dona Inspiração porventura retornar, na próxima semana vocês terão o que ler.
Aguardemos
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fonte: João Batista de Brito - facebook

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