sexta-feira, 1 de abril de 2022

UM LENÇO

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por João Batista de Brito

Foi na sala de espera do médico que ela o conheceu. Nem havia notado quem estava ao seu lado, e se surpreendeu com a abordagem de um desconhecido. “É seu?” ele perguntou, com o lenço dela na mão. “Sim”, respondeu confusa, e agradeceu.

E do lenço caído ao chão brotou o papo. A espera pelo atendimento foi longa - a tarde quase toda - e conversaram à vontade.

Era um senhor um pouco mais coroa que ela, educado, simpático, com um rosto bonito, pele rosada, viçosa, um riso franco que saía de uma boca sensual, um olhar atraente que, não sabia por que, a encantou.

Ao ser ele chamado para a consulta, ela quase sentiu pena. Despediram-se com um “até logo” e ela acompanhou-o com a vista, até ele desaparecer na porta da outra sala. Achou absurdo que estivesse sentido afeto por um estranho, e, sem entender, sentiu-se no momento um pouco solitária.

Por alguns dias, se viu pensando nele. O que poderia significar para ela um estranho que conhecera numa sala de espera? Logo ela, casada, e bem casada.

E, no entanto, até sonho houve. E muito estranho: no sonho, estava fazendo amor, e de repente, o rosto do esposo ia se transmudando no rosto do desconhecido. Nesse dia, acordou perturbada e passou a manhã inquieta, um pouco irritada. O esposo perguntou se havia algo errado e ela respondeu que não: por que haveria?

Já estava quase superando a lembrança dele, quando o viu de novo. Uns dias depois do médico, tinha ido caminhar na calçadinha da praia, e na volta, parou num Café para um ligeiro lanche. Mal sentou, avistou-o, sentado a uma mesa mais adiante, sorridente. Ficou feliz que ele a reconhecesse, e sorriu de volta. Sorriu mais do que devia, pois logo ele veio ter à sua mesa.

Foi quando ficou sabendo que ele, divorciado, sozinho na vida, residia no seu bairro, e que era, como ela, assíduo frequentador do Café, e também caminhante da calçadinha. O fato de haver outras chances de se encontrarem - como negar? - encheu-a de alegria. Não podia deixar de admitir, foi um momento quase mágico.

Depois daquela tarde, toda vez que saía para caminhar, ela se punha a olhar em torno, na esperança de avistá-lo. Qualquer senhor alto e alvo era ele... e nem sempre era. Aliás, raramente era. Na calçadinha da praia olhava em torno, e se não o via, voltava para casa um pouco desapontada.

Passaram-se umas três semanas sem que ele aparecesse. E começou a ficar preocupada. Será que não o veria mais? Acontecera alguma coisa? Viajara? Mudara-se? Adoecera? E aí dava-se conta do quanto estava sendo tola em sofrer por um quase desconhecido que nada representava em sua vida.

Foi então que, caminhando na calçada da praia, afinal se encontraram mais uma vez. A demonstração de júbilo foi espontânea e recíproca. Estava uma tarde bonita, o mar seco e sereno, o céu limpo e belo. Sentaram-se na muradinha da calçada, um pertinho do outro, feito dois namorados, e conversaram banalidades e riram de graça, numa liberdade feliz, como se fossem adolescentes irresponsáveis.

Em dado momento, sem querer, os joelhos se tocaram. O toque foi rápido, mas ela não conseguiu evitar um arrepio. Era a primeira vez que os corpos se tocavam. Na ocasião, pensou se alguma vez se tocariam de novo, em alguma parte que não os joelhos. Ao se despedirem, terminaram por marcar um novo encontro, numa data próxima, para um chá no mesmo Café de sempre.

Esses inocentes chás se repetiram, dias salteados, entre os quais as tardes, para ela, pareciam mais vazias. Cada vez mais ansiosa, mas também angustiada, ela sentia que não podia continuar alimentado... Alimentando o quê? Algo que nem sabia dizer o que era. E duvidava que ele soubesse.

Um dia ele perguntou se não podiam trocar números de celulares. Disse que não convinha, e ele respondeu que entendia. Mais tarde, em casa, ela ficou pensando por que tinha dito que não convinha. Ora, amigos têm, sim, o direito de se comunicar por celular, por que não? Ter dito que não convinha era sintomático de que não eram propriamente amigos. E o fato de ele ter respondido que entendia, era mais sintomático ainda.

E continuaram a se ver, cada vez mais regularmente. Até que um dia ele, semblante fechado, confessou que tinha algo a propor, e que o faria no próximo encontro.

Desde então, ela perdeu completamente o sossego, imaginando o que poderia ser. E se entregava a devaneios penosos que lhe corroíam o espírito. Iria ele sugerir que não deveriam se ver mais? Ou iria dizer que estava apaixonado e que queria levar aquilo adiante? Qualquer das duas alternativas iria doer. E muito.

Por isso, tomou uma decisão.

E na hora marcada, não compareceu ao encontro. Ficou em casa, e, trancada no banheiro, chorou. As lágrimas, enxugou-as com o lenço que um dia ele apanhara do chão.



fonte: (Facebook) João Batista de Brito. https://www.facebook.com/profile.php?id=1827430791

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