por Humberto de Almeida
Parece até que foi ontem.
Pensei. Lembrei então do Vandré no programa de César Alencar, representando a
Parahyba e usando o nome artístico de Carlos Dias.
Naqueles tempos, como em
tempos atrás também aconteceu com o nosso Chico César que sonhava ser e cantar
como o Caetano Veloso - triste fado! -, Vandré imitava o Orlando Silva. E
quando esquecia o Orlando, lembrava do Francisco Alves.
Queria porque queria ser
cantor de rádio. E tanto insistiu nesse querer que terminou ganhando da mãe um
disquinho de vinil - um compacto - e saiu pelas emissoras sem pagar jabá, pois
jabá não tinha, pedindo para que tocassem o “seu pequeno” objeto do desejo
dele. Mas é o LP Das Terras do Benvirá o que interessa nesse momento em que o
escuto na minha ilha cercada de livro, filmes e discos por todos os lados.
As lembranças chegam mais
fortes com o disco na vitrola. O nome cai bem: vitrola, pois, afinal, é um LP.
O mais triste é que chegam também com os gritos. E não segurando a barra, vem
com o choro incontido do artista.
Um sofrimento. Vandré abre
as comportas do peito e deixa jorrar quase de uma só vez toda a angústia que há
muito trazia - e ainda traz, comprovei na última vez que o vi - guardado lá
dentro. Um disco apenas e tanto sofrimento, tanta dor, tantos gritos desesperados!
Vou à capa do LP e constato:
um disco de apenas 8 faixas. O tempo que se gasta - ou seria “se ganha?” - para
ouvir o dito cujo é de apenas 42 minutos. E para não dizer que esqueci de
lembrar que este é um texto de lembranças, lembro que o disco foi gravado e
lançado em primeira mão no ano de 1970, em Paris. Todos que acompanham a “saga
vandreniana” devem saber ou deveriam. Mas, por aqui, como todos sabem, somente
chegou anos depois. Esse é mais que um disco. É um grito desesperado do
artista.
As músicas não são cantadas
- atentem, são gritadas, arrastadas como pesadas correntes nos sótãos da
ditadura. Vandré parece mesmo é querer chamar a nossa atenção para aquele
exílio forçado, suas andanças por terras estranhas e o quanto ainda guarda da
angústia que levou naquela distante e triste partida. Cada grito é um
desespero, uma vontade louca de voltar, mesmo estando impedido naquele ano,
pelo medo de ser obrigado a partir da mesma maneira.
A atmosfera do disco é quase
irrespirável. Pesada. Os poucos acordes de suas músicas, uma de suas marcas,
parecem guardar um espaço maior que o necessário entre um e outro. Grita-se o
primeiro verso e os ouvidos ficam a esperar o som do violão. Outra
característica marcante é a expectativa que impregnava todo o ambiente no final
de cada faixa.
E os aplausos? Unem-se a
pergunta da expectativa. O disco traz o clima dos discos gravados ao vivo (em
festivais). O estúdio, imagino, é somente tensão. De quando em vez a voz de
Vandré parece se perder nos confins do mundo. É um aboio; um soluço contido na
marra; um grito parado no ar.
Em quase todas as faixas
estão presentes a desconfiança, o medo e - ela continua, sim - a expectativa. O
que estaria ocorrendo, estaria desagradando alguém? Quais as consequências
daquele canto? Está dizendo o que pretende dizer? Está sendo entendido?
Chove lá fora. Vandré
continua chorando. Isso mesmo: chorando para ser entendido nos seus lamentos. Entendo-os.
Mas não seria tarde? Fecho-me na minha ilha.
Do meu livro “O que me restou do silêncio“
fonte: http://humbertodealmeida.com.br/o-choro-das-terras-do-benvira-de-vandre/#comment-10386
3 comentários:
tudo bem, colega. somos todos leitores e fãs - muitos - desse nosso ilustre representante neste universo musical verde-amarelo. putabraço.
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tudo bem, colega. somos todos leitores e fãs - muitos - desse nosso ilustre representante neste universo musical verde-amarelo. putabraço.
Grato pela sua gentileza. Forte abraço e muito obrigado.
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