por: Mariana Moreira
Na
tela enorme do cinema um mundo se descortinava diante dos olhos da menina que,
oriunda da zona rural, se encantava com as maravilhas da urbanidade, como a
energia elétrica, as imagens de televisão, o cinema, as casas conjugadas, o
barulho dos automóveis, o pão aguado (ou francês) no café da manhã. O cinema
passa a fazer parte de sua vida muito precocemente. Morando no treco da Rua
Pedro Américo que dá acesso a Rua Dr. Coelho éramos vizinhos do Cine Pax, um
dos cinemas pertencentes à Diocese. O outro, o Apolo XI, situava-se nas
proximidades. Além disso, outras aventuras de exibição cinematográfica eram
registradas, como cinema mambembe de Otrope.
Não apenas a proximidade do
cinema me introduz na magia da sétima arte. O bilheteiro e porteiro era colega
de colégio de uma das minhas irmãs. Isso era um valioso passaporte para
assistir, de graça, a filmes quase todas as noites. Fitas, inclusive, com
recomendações de faixa etária bastante superior a minha idade. E qual malabarismo
desenvolvia para fugir a implacável perseguição do representante do juizado de
menores; um senhor surdo mudo cujo nome a distancia do tempo apagou e que,
várias vezes, percorria o cinema a cata de penetras que ousavam assistir a filmes
proibidos. Com destreza para escapar ao vigilante facho de luz de sua lanterna.
Retomada a normalidade
viajava nos cenários deslumbrantes de emocionantes histórias de amor, nas aventuras dos heróis de capa e espada, no
destemor dos cowboys de velho oeste americano, com sua indômita bravura, abrindo
fronteiras, exterminando índios e instituindo o modo de ser que domina o mundo.
Na mesma viagem de sombras e fantasias, soltava o riso inocente com as peripécias
e trapalhadas do Gordo e do Magro, dos Três Patetas, ou se emocionava com a tragédia
dos amores impossíveis das adaptadas tragédias shakespearianas. Um mundo novo
onde sonhar era a medida de todas onde sonhar era a medida de todas as coisas e
a vida se contagiava com o chiado do projetor que lançava imagens tão
deslumbrantes na grande tela branca. O fim da exibição trazia a realidade do
cotidiano, mas deixava a sabor encantado do onírico que acalentava as saudades
de Impueiras, a ausência dos pais, a incerteza do futuro.
Nos anos de 1980 a cidade de Cajazeiras assiste, impassível, ao fechamento dos seus três cinema. A massificação da televisão traz a comodidade da sala de estar, mas rouba o encantamento do sentar-se na poltrona e, entre pipocas, balas e beijos roubados da namorada, ver abrir-se ante seus olhos magias e realidades inventadas pela genialidade do homem. A televisão desencantou o mundo do cinema, alterou sociabilidade e deixou a cidade mais pobre de sonhos e encantamentos. E nas lembranças ainda revoam os cheiros, odores e sabores do Cine Pax hoje transformado em auditório, mas onde, outrora, como eu, muitos construíram mundos, ergueram fantasias e sonharam vidas.
Artigo publicado no Jornal A União do dia 10 de Setembro de 2021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário