por: Lincoln Cartaxo de Lira. Advogado, administrador e escritor.
Prédio onde funcionou o Cine Éden. Na parte de cima havia uma danceteria
Eu era garoto, não tinha entrado na
adolescência, mesmo assim, jamais consegui me libertar das imagens de
então, associadas ao velho Cine Éden, cinema localizado na minha cidade
natal (Cajazeiras). Com fachada meio sombria de um azul anil desbotado, para um
moleque, a verdadeira caverna de sonhos, com todos os tesouros de magia,
fascinação...
E me veio à lembrança, quando fui barrado pelo
Juizado de Menores (rábula, Zezé Moreira) ao tentar assistir um filme proibido
para menores de 14 anos. E aí meu leitor, fiquei com olhos marejados e fiz
força pra não chorar, tamanha era a minha vergonha e desapontamento. Apesar de
estar usando camisa de manga cumprida e calça social só para ver se
dava pra entrar no cinema.
É, ressalte-se, um tempo em que o estudo era grande, o tempo era largo e o dinheiro curto, que só dava mesmo para pagar a meia entrada.
Todos os pares de olhos voltados para o retângulo
da tela panorâmica superscope, no instante que o senhor Carlos Paulino (dono do
cinema) acionava a cigarra para que o projetista desse início à sessão, como
também, ao seu auxiliar (acrobata de tirar o fôlego) para fechar as grandes
janelas através de uma cumprida trava de madeira.
De repente uma cortina bordô pesada se abria para a
sala de projeção, onde saia o feixe de luz levando o espectador a rir, chorar e se emocionar, e antes de desligar todas
as luzes, o operador deixava uma iluminação mais fraca durante a apresentação
do Canal 100, no qual fazia ver o lado lírico, dramático, delirante do futebol
brasileiro, sob a direção fantástica de Carlos Niemeyer.
Quase sempre o filme era antecedido pela trilha
sonora da lendária banda The Pop’s (Driving Guitar, O Guarany, Noturno de
Chopin, Johnny Guitar...), enquanto chupávamos as balas compradas em sua modesta bomboniere.
Assisti muitas coisas, naquela época. Mas as
recordações marcantes são dos filmes com Ben Hur, Os Dez Mandamentos,
Cleópatra, Laurence da Arábia, Spartacus. Destaque para esse último: a história
real do escravo rebelde Spartacus , com Kirk Douglas, numa interpretação
marcante e comovente, talvez possa ser considerado uma obra-prima dos grandes
clássicos do cinema épico de todos os tempos.
V
V
ez por outra, dependendo da localização do
assento, o mau cheiro de urina, pelo menos, não fazia distinção de classe
social, atingia inexoravelmente a todos desse fedor cinemático.
E o melhor: a quebra das fitas durante a exibição era um deus nos acuda, levava a sessão a ser interrompida para o conserto, debaixo de vaia ensurdecedora da plateia.
E o melhor: a quebra das fitas durante a exibição era um deus nos acuda, levava a sessão a ser interrompida para o conserto, debaixo de vaia ensurdecedora da plateia.
O domingo igual a qualquer outro, estava eu lá na
porta do cinema para pegar a matinê, levando pilhas de gibis para trocar com
outros cinéfilos.
Soube, por amigos, que ele resistiu até o fim,
diante da fúria da televisão, seguido pelo vídeo cassete paralelamente com a
explosão das locadoras. Ficou por meses exibindo os mesmos filmes, alternando
apenas os cartazes, até cerrar as portas de vez, dando lugar (acredito) a um
estabelecimento mercantil ou para alguma igreja sem eira nem beira.
Desaparecendo, assim, uma usina de sonhos e magia
dentro daquela que já foi a sétima arte e hoje tornar-se, cada vez mais, uma
indústria de frias regras comerciais. Em bom e velho português: “mercenários”.
No cenário mais verossímil
o grito estridulante de Johnny Weissmuller, o Tarzan do cinema, dava mostra que
o sonho não tinha limites. E o sonho era, no mais das vezes, americano.
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