terça-feira, 20 de julho de 2021

Zabé da Loka

por: Hermano Almeida 


Zabé ou Isabel. Me chamem como quiserem. A Loka foi minha morada por 25 anos. Nasci em Pernambuco, Buíque.

Depois vim para Monteiro, na Paraíba. Pobreza e morte faz parte da vida. Perdi 8 irmãos. O resto desapareceu pelo mundo. O que me ensinou a tocar "pifo" desapareceu novo.

Três fio tive. Morreu um, outro ficou com parentes e o doentinho, sei não. Morte e vida da zabé. Perdi pai, mãe, marido. De andança em andança, pelos matos e barro, comi dia sim, outros não. Minha casa caiu, em Monteiro. Fui pra Loka. Muita pedra bonita. Fui fazendo aos poucos. Fiquei com dois "fio" e enterrava na terra mode caçar comida. Preá com Xerém. Ou qualquer sustância pra barriga.

Toco o "pifo" ou, Pífano desde a infância. Aprendi com irmão. Esse bicho "pifo" me ajuda a viver. Parece que veio dos índios. Os bichim tocavam Pífano ou coisa quase igual.

Meu som vem antes desses estrangeiros chegarem aqui. Tribo do nordeste e Goiás. Uma rolinha me contou. Só foram me encontrar na Loka depois de veia. De setenta em vante.

Acontece com esses "intelectuales" e músicos sabido. Descobrem a veia e, mostram a veia pro Brazi. Cantei nas banda do Rio, São Paulo, Recife... Entrei no avião. É um "avesão". Me deram uns tal de prêmio. Mas, preferia a Loka.

Gostava de golin de cachaça e de fumar. Ensinei muitos meninos e meninas a tocar Pífano. Se é tão antigo porque acham que foi invencionice minha tocar. Tinha minha banda.

Só aos 79 anos lancei um tá de cd, que hoje já morreu.

Quem cuidou de mim foi "Jana". É como fia. Não me largou nunca e hoje cuida da casa que leva meu nome em Monteiro.

Quando era pobre e fome passava, político não quis saber deu. Depois, até casa ganhei, no assentamento Santa Catarina.

Mas, gostava mais da loca. Como eu tem muitas e muitos, tocando pelo cariri e passando fome. Morri? Nem lembro...

Disseram que fiquei demente... Que diabo é isso? Nem me lembro. Visitam o centro cultural em Monteiro, mas, vai acabar "acabando". Minha astúcia e da Jana era ensinar música prós meninos e meninas não se meterem no traficar e vender corpo. Será que segue?

Zabé da Loka com k (quero assim) teve uns momentinhos de ser conhecida. O Pífano, a música e a Loka me salvaram. Ou não? Sei lá... Era feliz isoladinha na Loka tocando "pifo".

Se entrei pra historiação da música, na Paraíba, foi por tempo curto. Quem me conhece? Fizeram três cds meus, mas, já morreram. Ainda me encontram em "mundo digital" e, no centro em Monteiro. Cadê Escurinho? Tá bom de cantar zabé... Maria Juliana? Tu tá em Fortaleza com três fio e marido não. Lembra de mim? Andei muito por mato e pedra. Comi calango.

Minha "alma" tá na Loka com o pifo. Já esqueci de tudo... Morri? Nem lembro.

Fica a música e o pifo ou Pífano. E a ruma como eu? Vai comer calango. Nem conheci esse tal de Bolsonario... mas, odeia pobre e enterra as artes.

Nunca fui crente. Só conheço caboclo, preto velho e bicho do mato. Esse "Solha" me conheceu? Lembro dele andando nu na mata. Com Escurinho.

Solta a voz, Maria Juliana. A Paraíba tem música boa... Mas, zabé é "louca" e igual e ela tem um monte... Comendo calango!






fonte: https://www.facebook.com/photo/?fbid=122243820110510&set=a.107987998202759

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