por: João Batista de Brito
Em conversa casual, contei
um dia a história ao escritor Geraldo Maciel, amigo saudoso, que por
conta própria decidiu transformá-la em literatura. E o fez muito bem. Aqui,
porém, reconto-a, tal qual a ouvi de uma senhora idosa, lá pelos meados dos
anos sessenta.
Segundo
a minha idosa informante, a coisa teria acontecido em Campina Grande, nas
primeiras décadas do Século Vinte, tempo atrasado em que as casas eram
iluminadas com candeeiro, e a comida era cozida à lenha. Numa das ruas
principais da cidade, morava essa viúva, Dona Anastácia, uma mulher de seus
cinquenta anos, mas ainda vistosa e saudável. Solitária e saudosa vivia
sozinha, na companhia de uma empregada de longa data.
Pois
bem, de tão saudosa, Dona Anastácia mandou um dia fazer uma estátua do marido
falecido, o respeitável senhor Epaminondas de Melo Fonseca.
Lá
para os lados de Bodocongó vivia esse artesão, conhecido do casal, que fazia
maravilhas em madeira. Dona Anastácia lembrou-se de procurá-lo, e lhe pagou um
bom dinheiro para que esculpisse, na melhor madeira de seu estoque, a estátua
de corpo inteiro do esposo. A partir de uma foto e das lembranças, o artesão
engendrou a sua obra prima, tão parecida com o original que impressionou até a
própria viúva.
Orgulhosa
da iniciativa, Dona Anastácia instalou a bela estátua do esposo na sala de
estar, em posição ostensiva, para ser vista por quem passasse na rua. Para
tanto, mantinha abertas as quatro janelas frontais da casa. E ao receber alguma
eventual visita, se apressava em apresentar: “Este é o meu Epaminondas”.
Um
dia, parou em sua porta um mascate, vendendo toalhas, lenços e outros tecidos.
Ela gostou das mercadorias e mandou-o entrar, claro, fazendo a apresentação de
praxe: “Este é o meu Epaminondas”. Negociaram e ficou certo que ele ficaria
voltando todo mês, já que o pagamento fora dividido em suaves prestações.
Assim,
todo mês lá estava o simpático mascate no sofá de Dona Anastácia, com seus
olhos claros, seu bigode charmoso, seu sorriso cativante e seus gestos
educados. Independente de pagamentos, e sem que os dois se dessem conta, as
visitas foram ficando mais frequentes e mais alongadas. Se se puder dizer, mais
aconchegantes – agora de janelas fechadas.
Tão
aconchegantes que Dona Anastácia começou a achar que a presença de Epaminondas
na sala estava de alguma maneira, se tornando inconveniente. E um dia, antes de
o mascate chegar, depois de alguma hesitação, se decidiu: chamou a empregada e
as duas passaram Epaminondas para a segunda sala da casa.
Ocorre
que o clima de amizade entre Dona Anastácia e o mascate foi se fortificando.
Agora, pouco falava de negócios: o assunto era muito mais a solidão dela, as
decepções amorosas dele - essas coisas do coração... E de como ansiavam por um
dia poder reaver a felicidade que mereciam.
Com
a assiduidade do mascate, Dona Anastácia notou que, mesmo na outra sala da
casa, a presença de Epaminondas continuava incômoda. Pensou em pô-lo no
corredor, mas viu que era muito apertado, e então sugeriu à empregada que o
deslocassem para a cozinha. Como a empregada protestasse veementemente,
alegando que o espaço da cozinha não era grande, e que Seu Epaminondas iria
atrapalhá-la em suas tarefas diárias, Dona Anastácia concluiu que, sendo assim,
era melhor mesmo encaminhar Epaminondas lá para trás, para a área de serviço. E
assim foi feito.
Acontece
que a área de serviço, nessa residência antiga, ficava nos fundos do quintal e,
repleta de cacarecos, era, ocasionalmente, visitada pelas galinhas, patos e
jabutis que a dona da casa criava. Para um vizinho curioso que espiasse por
cima do muro, seria, com certeza, patética a visão: circunspecto em sua pose,
aquele homem de madeira rodeado de cacarecos e bichos.
Certo
dia, a visita do mascate prolongou-se tarde adentro, e daí a pouco o sol já
estava se pondo. Animada, Dona Anastácia fez a sugestão de que o seu
companheiro de confidências ficasse para jantar, proposta que foi aceita de
imediato.
Aceito
o convite, Dona Anastácia lembrou que não havia combinado nada com a empregada.
Pediu licença, levantou-se e foi lá dentro saber do cardápio da noite,
confiante de que nele estivesse a deliciosa canja em que a empregada era
exímia.
“Não
fiz canja, não senhora, nem coisa nenhuma” – disse a empregada, e prosseguiu:
“A senhora lembra que lhe avisei ontem que a lenha para cozinhar estava
acabando e a senhora não tomou providência nenhuma?”. E perguntou o óbvio:
“Como é que eu vou fazer canja sem lenha?”
Foi
então que a ideia passou pela cabeça de Dona Anastácia, ideia que ela
descartou, e no mesmo instante, abraçou. E, decidida, deu a ordem à empregada:
“Mete
o machado em Epaminondas”.
fonte: https://www.facebook.com/photo?fbid=10216843525760257&set=a.4826176152100
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