por: Frutuoso Chaves
Devo meu gosto pelo cinema a um ser
humano simples, de poucas letras, manso nas palavras e gestos. Atendia por José
Ribeiro, no Pilar da minha infância. Minha admiração por ele cresceu na exata
proporção dos meus avanços no tempo. Cada ano de vida que acumulei em sete
décadas e meia foi, em relação à sua figura, um marco novo de benquerença e
respeito.
Vivia, basicamente, da pequena
agricultura, daquilo que plantava e colhia para o sustento familiar. Mas era um
homem de sete instrumentos. “Não há nada que Zé Ribeiro não possa fazer”,
disse-me, certa vez, o velho Juca, meu pai, impressionado com o cineminha
erguido pelo amigo, o primeiro e único da pequena cidade à margem do Paraíba.
Não fosse a ajuda do menino Jiló,
teria feito tudo sozinho, dos tijolos às cadeiras. Paredes erguidas e cobertura
instalada, Seu Zé manteve o interior do prédio em segredo de sete chaves.
Antes de ali entrar, ou sair, cuidava
de reparar se havia alguém por perto. Evitava, assim, dizer não a um amigo que
lhe solicitasse a entrada. E Pilar morria de curiosidade. Não lembro com que
filme ele fez a inauguração do Cine Ideal, mas lembro da fila comprida para o
ingresso.
Desgraçadamente, o cinema de Seu Zé,
fruto espantoso da obstinação, do esforço pessoal sem limites, teria vida curta
por coincidir com o surgimento da tevê. Era o tempo dos televizinhos nos
tapetes e janelas das famílias mais abastadas. E o Cine Ideal faliu.
Passo por ali, hoje em dia, com um nó
na garganta. A fachada teve a porta lacrada em operação que sequer livrou os orifícios
da bilheteria. Quem comprou o prédio fatiou os espaços e providenciou aberturas
laterais para o aluguel de pequenas lojas. A indigência cultural de sucessivos
prefeitos tem sepultado, até aqui, a ideia da desapropriação e transformação do
antigo cineminha num ambiente a serviço da arte e da cultura. Enfim, em algo
que tomasse o nome do criador e dele preservasse a memória.
Pode-se dizer dos velhos cinemeiros
que são como dinossauros. Existiram, mas nem todos acreditam. Seu Zé pôs, pela
primeira vez, os olhos numa tela quando, ainda menino, viu a projeção de uma
Paixão de Cristo bancada, em praça pública, pela Fábrica de Tecidos de Rio
Tinto, onde morava. E tomou-se de amores pelo que então via.
Já adulto, sobrevivendo da talha de
pedras em Jaboatão, área metropolitana do Recife, conseguiu comprar do patrão,
a preço simbólico, um velho projetor da marca Pathé, de 16 milímetros. Tempo
depois, pedia demissão do emprego a fim de viver da exibição de filmes nos
engenhos e casarões. Sua paixão pela Sétima Arte, assim tida e havida, rendeu,
em 2007, o saboroso documentário “Cinema Engenho”, com o qual Dácia Ibiapina
obteve prêmios em festivais pelo País.
Lembro dele, antes do Cine Ideal, a
projetar filmes no Mercado Público de Pilar. Apanhava o trem da Great Western
até o Recife, toda quarta-feira, de onde voltava com as fitas alugadas do
Escritório da Metro e outras distribuidoras para exibição aos sábados e
domingos. A de melhor bilheteria era repetida as quartas com o acréscimo de um
seriado. O distinto público levava as cadeiras de casa.
O menino que eu fui e os colegas de
escola passávamos a semana a imaginar como o mocinho, a mocinha, ou um de seus
parceiros, escapariam do perigo exposto no episódio anterior. Capitão Marvel,
Nyoka e Tarzan me fizeram, muitas vezes, perder o sono.
Que saudade do Seu Zé Ribeiro e do
tempo em que ele abria sua mala para momentos mágicos. Para os sopapos de Buck
Jones, as palhaçadas de Chaplin, a beleza de Grace Kelly e o gênio de
Hitchcock. Isso tudo o vento levou.
fonte: https://www.facebook.com/photo?fbid=2188631331268511&set=gm.401475037652094
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