por: João Batista de Brito
Dizem que vida de casados é tudo igual. Pode ser, mas há, sim, as nuances.
Lembro os amigos Nelson e Clara, aparentemente uma relação comum, porém, só até certo ponto.
Residentes na bela Curitiba, ele um
engenheiro de seus cinquenta e oito anos, ela, uma publicitária de seus
quarenta. Ele no segundo casamento, ela no primeiro. Sem problemas, salvo os do
dia a dia, aqueles dos quais ninguém escapa.
No caso deles, um probleminha
adicional era de ordem culinária. Ocorre que ele era nordestino de origem, e
ela paulistana da gema: o drama é que ela nunca soube cozinhar o feijão que ele
amava. Fazia uma polenta muito boa, mas quem foi que disse que ele engolia
polenta?
Não que ele quisesse feijão todo dia,
porém, aos sábados o prato, para ele, era sagrado. Sabe como é uns mergulhos na
piscina, umas cervejinhas.., e, se possível, o feijão dos seus sonhos. Os
acompanhamentos (arroz, carne, legumes) eram irrisórios.
De boa vontade, Clara tentava e não
tinha jeito. Nunca teve. Por mais que se esforçasse, seu feijão nunca tinha o
tal sabor esperado por ele – um sabor que ela nem sabia qual fosse, já que
nunca estivera no Nordeste, muito menos em Cajazeiras, a terra dele.
Até para a internet ela apelou, mas,
como se sabe, internet não dá sabor ao feijão de ninguém.
Uma vez ela quis quebrar a regra, e,
ao invés do seu desprestigiado feijão, fez de surpresa um salmão ao molho de
maracujá que ficou uma delícia. Ele comeu bem, mas, sem entusiasmo, como a
dizer: isso se come em qualquer restaurante de Curitiba.
As coisas tomaram um rumo diferente
após uma certa noite em que foram ao vernissage de um amigo, artista plástico
afamado. Lá encontraram Edna, a ex de Nelson, da faixa etária dele e ainda hoje
solteira.
Em dado momento, olhando por acaso um
dos quadros da exposição, Clara e Edna se viram lado a lado. Sabendo que Edna,
como o marido, era nordestina de Cajazeiras (“terra onde se sabe preparar um
bom feijão” - Nelson sempre dizia), Clara não resistiu e ousou confidenciar seu
problema culinário, e, humildemente, pediu a Edna uma orientação. Esta, riu e
foi super solícita, lhe explicando toda uma receita, com todos os detalhes.
No sábado seguinte, Clara tentou a
receita oral de Edna, e o seu feijão saiu ruim como sempre. Um belo dia,
aborrecida da vida, perguntou a Nelson se ele ainda tinha o telefone de Edna.
Meio surpreso, ele deu e ela, na frente dele mesmo, ligou. Primeiro perguntou
se Edna tinha porventura os sábados livres. Ouvindo que sim, foi adiante e
indagou se seria muito incômodo para ela aparecer num sábado qualquer para
fazer com ela o tal feijão de Nelson. Sempre rindo, Edna não só acedeu como
marcou logo para o próximo sábado.
Não sei até que ponto foi embaraçoso
para o meu amigo Nelson de repente ter em casa a esposa e a ex-esposa, ambas em
atividade na cozinha... Só sei que adorou voltar a comer o feijão de sua terra,
e, no fundo, torceu por mais.
O fato é que terminou virando hábito:
todo sábado Edna aparecia e, como previsto, o espaço da cozinha era dela. Pois
bem, com o passar do tempo, as duas, Clara e Edna, firmaram amizade e, sempre
trocando telefonemas, criaram o hábito de sair juntas, pegar um filmezinho, ou
se encontrar no shopping ou noutros lugares, para bons papos de finais de
tarde, com chá e torradas.
Desses papos, naturalmente, fazia
parte falar de Nelson: como era preguiçoso para sair à noite; como criticava os
gastos femininos com cosméticos e roupas; como queria ver futebol na tv quando
elas queriam assistir ao Saia Justa; como urinava na borda da bacia sanitária;
como roncava na cama... etc. Entre risadas e mais risadas, saíam frases como
“Não sei como você aguentou tanto tempo com ele” ou “Eu entendo o que você está
passando”, embora, logo em seguida, sempre viessem, de ambas as partes, os
devidos elogios ao homem de suas vidas.
A amizade entre as duas mulheres
ficou tão sólida que no dia em que meu amigo Nelson anunciou à esposa que já
estava em vias de marcar a viagem aos mares do Caribe - a viagem com que sempre
sonharam, uma espécie de segunda lua de mel - Clara foi logo dizendo que fazia
questão que Edna também fosse.
Quando, estupefato, Nelson lhe
perguntou se ela estava consciente do absurdo que estava dizendo, Clara não se
fez de rogada e alegou que a coitada da Edna havia recentemente perdido a mãe,
estava deprimida, sozinha e precisando de apoio. E fazia questão de ajudá-la.
Uma viagem ao Caribe iria lhe fazer bem.
Não tive mais notícias do casal, e
não sei como foi essa viagem ao Caribe. Só conto o que sei.
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