por: Eduardo Pereira
Toda cidade tem seu cabaré. Ops! Generalizar é
errado. Então, quase. Cajazeiras não poderia ser diferente.
Desde a descoberta de minha consciência, a tal
idade da razão, por volta dos sete anos de idade, eu já sabia que Cajazeiras
tinha cabaré. Inevitável, para meninos criados soltos nas ruas, não perceber
que esse ambiente fazia parte do cenário da cidade, tal qual a prefeitura, o
cemitério, as escolas, as igrejas...
Como o prefeito era o destaque da política e o
padre o influenciador na comunidade, a dama da noite em Cajazeiras também era
bastante conhecida. Quem não conhecia Lilia das Mangueiras, não seria cajazeirense.
Guri, na Praça do Espinho, meu reduto de
amadurecimento e deformação, via Lilia caminhando pela ladeira do cemitério
Coração de Jesus rumo ao centro da cidade – fechando negócios para reabastecer
o prostíbulo? - e acompanhava-a meu olhar gurejoso. Galega formosa, parecia uma
alemã. Óculos escuros, não para disfarce, mas por elegância, andava de peito
aberto. Era uma mulher respeitada e deslumbrante aos meus olhos de toda cidade.
Sabíamos que muitos homens de família frequentavam
os cabarés. Durante a semana pecavam nos braços das Lilias nos Sete, Oito,
Nove... Candeeiros, e aos domingos purificavam nos confessionários e nas
comunhões suas almas devotadas aos longos sermões do bispo Dom Zacarias Rolim
de Moura, nas missas das sete da noite na igreja Catedral. Já em casa, beijavam
suas mulheres e seus filhos com polidez e descaramento machista.
Fui criando mais consciência e percebendo que a
dama dos prazeres de Cajazeiras era o que era porque, quer queira quer não,
rasgava os preconceitos de que, por ser meretriz, não impunha respeito e
admiração por seu trabalho.
Ela botou moral e respeito no seu bordel. É tanto
que, se não fosse essa postura, jamais seria lembrada para ser homenageada com
a láurea de cidadã cajazeirense. A questão polêmica ganhou repercussão nacional
em matéria do Fantástico da Tv Globo. Só faltou mesmo um plebiscito para
decidir se ela poderia receber o título de cajazeirense, ou não.
Em votação pela Câmara Municipal, foi derrotada. O
caráter falso-moralista e hipócrita da maioria da sociedade imperou.
Tantas e tantas reportagens rolaram sobre Lilia, e lembrei de uma que afirmava que ela ajudava prostitutas idosas e desprezadas. Sua generosidade estava expressa em seu nome de batismo: Maria de Jesus. Não preciso falar mais nada. Nem vou evocar passagens bíblicas sobre a relação de Maria Madalena com Jesus. Longe de comparações com Maria de Jesus, nossa querida amada e amante Lilia das Mangueiras.
Sua marca ficou registrada em “a mulher que ensinou Cajazeiras a amar”. E em nome de uma geração de amor às mulheres ricas, pobres, santas, prostitutas, devassas, lembraremos eternamente Lilia.
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