por: Mariana Moreira
E os
derradeiros vestígios da chuva da noite cintilam nos fios e pontas de folhas,
como reluzentes pérolas incendiadas pelo claro sol da manhã, que entre em minha
janela, anunciando o dia. E um longínquo e solitário canto de galo destoa da cidade,
com saudades de um poleiro e um monturo para ciscar basculho e catar minhocas.
Olho
a rua que teima em manter-se viva e pulsante, Carros, motos e gentes seguem na
direção do movimento, negligenciados dos perigos que, sorrateiros, assuntam o
mundo na forma de uma pandemia.
Um
desgarrado bem-te-vi estica as asas na parábola de uma antena. Estufando o
peito e encarando o sol, solta o cantar melodioso enquanto serelepes saguis
fazem malabarismos mil na fiação elétrica.
E a
rua ganha mais movimentos. Um senhor com idade de vovô protege-se da
intensidade incandescente do brilho do sol com a mão em concha acima dos olhos.
Na outra mão a sacola de pão quentinha pego na padaria que madruga a manhã,
anuncia o cheiro do café que se espraia pela casa.
Volto meu olhar para o presente. A rua continua se agitando. Um gari assobia uma melodia desconhecida enquanto uma a vassoura tenta dar um ar de limpeza às nossas irresponsáveis atitudes de considerar a rua lugar de ninguém e, portanto, depósito de nossos entulhos e dejetos.
Arrastando
sua carrocinha, sonha com uma fumegante xicara de café e um pão com margarina
para saciar a barriga desperta ainda na madrugada para cumprir a exaustiva
jornada, para muitos, invisível.
Vozes
humanas despertam meu olhar para um grupo de pessoas que, em uma calçada,
compõe uma animada prosa. À distância me permite ouvir murmúrios indecifráveis,
mas com certeza, em algum momento, a conversa teve como mote a morte de um
amigo, conhecido, parente, alimentando as dramáticas estatísticas da pandemia
que, avassaladora, em nosso país ganha a aliança parceira de um presidente
irresponsável e genocida.
E da
minha janela de mundo olho a vida que teima em pulsar lá fora.
E me
invade o medo de que a pandemia nos roube não somente vidas, mas lembranças com
a gota de água de chuva que resplandece no fio elétrico, tangida pelo sol que
insiste em nos lembrar que ainda pulsamos.
fonte: Gazeta do Alto Piranhas
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