por: Cleudimar Ferreira
Uma das cenas do filme "Caminhos Perigosos" exibido no Cine Teatro Apolo XI
no dia que esse fato aconteceu.
Essa não é uma exclusiva história de cinema,
mas as suas coadjuvantes, em muito, tem ligação promiscua com a maior sala de cinema
que havia em Cajazeiras. Então vamos aos fatos. No inicio dos anos 80, quando
era aluno do Colégio Comercial Municipal Monsenhor Constantino Vieira, eu, meus
colegas de turma do 1º Técnico em Contabilidade e demais alunos, durante o
recreio, tínhamos sempre uma visão privilegiada que nos atraia muito, quando
nos deslocávamos aos fundos do Colégio Comercial - como era conhecida a escola.
É que nesse local, o muro que existia era baixo para quem estivesse dentro da
unidade escolar e, sua posição ficava para a Rua Victor Jurema. Esse ponto de
vista nos dava uma vantagem de ficar praticamente de frente para o Cine Teatro
Apolo XI. Um pouco de lado, não favorecendo a visão geral dos cartazes
expostos no hall do cinema.
Como não si tinha a percepção total do que era exposto na recepção do cinema, evidentemente, havia uma dificuldade de se ver desse muro a tabuleta com o filme que seria exibido no dia. Isso por que a tabuleta
ficava dentro do cinema; bem recuada, encostada na parede frontal do hall. Parede essa, que
servia de espaço decorativo, onde havia fixo um posto dos três astronautas da
missão Apolo XI e que também servia de divisão das duas rampas de acesso à sala-auditório.
Na programação semanal do cinema, eram
exibidos quase como rotina três novos filmes, sendo um com enredo e temática cristã, por ser a sala pertencente à Diocese de Cajazeiras. Especificando
melhor, uma destacada produção estreava no domingo e a sua exibição ia até a terça-feira.
Na quarta-feira, um novo filme era rodado e ficava em cartaz até sexta. No sábado, o
cinema passava um filme de conteúdo cristã, que também era exibido na matinê do
domingo de manhã. Era justamente os filmes que seriam exibidos na quarta, que
cativava o interesse de todos nos alunos cinéfilos do Colégio Comercial, de
pular o muro para ver o cartaz e as fotos das cenas do filme que eram expostas
na tabuleta, que sempre ficava dentro do cinema.
Portanto, quando o sino era batido por Dona
Angelina Tavares - diretora escolar, corríamos com nossas lancheiras para o
citado muro. O interesse da maioria era saber que filme seria exibido,
principalmente o filme da quarta-feira que todos chamavam de “rentrée.” Para tanto, muitos ficavam
escorados no muro perguntando as pessoas que passava pela Rua Victor Jurema, qual
era o nome do filme em cartaz para aquele dia. Quando não transita ninguém por essa rua e nem próximo ao muro, a ansiedade e o
aperreio mental tomava conta de muitos, que chegavam praticar o arriscado pulo
do muro para ver cartaz do filme que seria exibido.
Mas havia uma dificuldade para todos que se aventurava
por essa prática. A altura do muro por dentro da escola, passava de um metro. Já
a do lado que ficava para Rua Victor Jurema, tinha mais de três metros de altura
e quem pulava, sabia que a aterrisagem lá embaixo, não era muito confortável. Mas
muitos não se preocupavam tanto com esse detalhe, pois o que interessava mesmo
era saber que filme passaria nas quartas-feiras. A prática do “pulo pra ver o filme” como passou a ser
chamada, entre nós, foi se tornando comum e os seus adeptos, aumentando até
chegar ao ouvido da disciplinada diretora Dona Angelina Tavares, que um certo dia flagrou
alunos na hora do recreio chegando à portaria principal da escola, pedindo para
o porteiro abrir a porta para entrar. Ora, a gente pulava o muro, via rapidinho
o filme em cartaz e seguia pelo quarteirão, margeando a casarão da família Zuca Peba e
chegava desconfiado, com a cara de pau, pedindo para o porteiro abrir a porta.
O porteiro sempre contrariado, ficava confuso sem
entender por onde os alunos estavam saindo, pois pela sua portaria não era.
Dias depois a prática chegou ao conhecimento de Dona Angelina Tavares, que
administrava a unidade escolar juntamente Antônio de Souza Sobrinho, de forma
severa e rígida sob todos os aspectos.
Imediatamente como forma de conter essa
prática, Dona Angelina, passou a sair de classe em classe anunciando que se
pegasse um aluno pulando o muro da escola para ir ver o cartaz do filme no Cine
Teatro Apolo XI, seria expulso da escola sumariamente, sem apelação. Para não ser obrigada a cumprir as ameaças feitas ao alunos, ela chegou a colocar um funcionário sentado próximo ao muro, para não deixar que nós pulássemos.
Mas essa vigilância foi por poucas semanas e tão logo o funcionário deixou de
estar rotineiramente presente ao local, voltamos a cometer, mesmo as escondidas esse desatino escolar, usando a
casa do aprendiz de inventor Inácio Assis - que ficava vizinha a escola, como
solução para voltar ao interior da escolar.
Alunos do 1º Técnico em Contabilidade do Colégio Comercial M. Mons.
Constantino Vieira. Acervo: Cleudimar Ferreira
A residência de Inácio Assis tinha o muro da frente razoavelmente baixo para quem transitava pela Rua Victor Jurema. Entretanto, uma pequena escadaria, conduzia o visitante do
portão de pedestre até o terraço, cujo piso ficava
praticamente na mesma altura do muro da escola, pela parte de dentro. Desse
modo, ficava fácil o nosso retorno ao interior da escola, até um dia quando o proprietário
da residência descobrisse e, o alarido chegasse aos ouvidos de Angelina Tavares.
E foi como um capricho, que esse dia veio. Mas veio antes que o dono da casa soubesse do que estava ocorrendo. Veio de forma inesperada e um pouco trágica
até, que marcaria para todos o encerrando de vez dessa brincadeira arriscada, que nos alimentava cada vez mais o ego pela sétima arte. Especificamente, nós alunos do 1º Técnico em Contabilidade.
Esse momento aconteceu quando certo dia as
badaladas do sino ecoou, anunciando a hora do recreio. A correria dos alunos
saindo de suas classes para o pátio da escola e para o muro parecia prescindir
algo especial para aquele dia. De especial não foi nada. Foi até certo ponto premonitório, já que por ironia o filme programado para aquela quarta-feira foi "Caminhos Perigosos" (de
1973). Um suspense dirigido por Martin Scorsese, como os atores Harvey Keitel e Robert De
Niro. Quando chegamos próximo do muro, já se perguntava entre nós que ia
pular para ver o filme. Um dos alunos que não era da nossa turma, apareceu
entre todos que estava ali e disse: eu vou!
No muro que apesar de baixo havia um “gradilho”, existia também pontas afiadas, parecidas com esporões ou pequenas pontas de espadas. Toda vez que um de nós se projetava
sobre o muro, todo cuidado era pouco para não se ferir nessas pontas. Mas
aquele aluno não teve muita sorte nesse dia, pois já estando em cima do muro, na hora que
se preparava para pular, alguém avisou que Dona Angelina estava chegando. O adolescente apressado para não ser pego pela gestora, escorregou e um dos esporões dessa grade, pegou a famosa batata da
perna dele, ficando o mesmo enganchado, pendurado, aos gritos.
De repente a correria tomou conta do pátio.
Correndo alunos e professores para lá e para cá para prestar socorro, e outros assustados com a cena e com o
desespero daquele aluno. Até que apareceu um dos funcionários da escola que socorreu a virtual vítima, tirando-o da grade e levando todo ensanguentado
para uma unidade do “SANDÚ” que ficava vizinho a escola. Passado esse desesperado momento, o
medo tomou conta de todos e nunca mais um de nós quis se aventurar na tal
prática. Até porque o recreio passou a ser realizado no salão da entrada da escola e não
mais no pátio, muito menos nas proximidades do referido muro.
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