O escritor modernista e musicólogo, Mário de Andrade, realizarou duas grandes viagens etnográficas com a finalidade de conhecer e aprender sobre as diferentes culturas e expressões musicais populares do Brasil.
Em 1927... Empreendeu viagem etnográfica rumo à região NORTE fazendo anotações musicais, fotografando, elaborando crônicas e detalhando minuciosamente os encantos vivenciados em sua viagem-pesquisa. Apesar de ser um homem culto, sempre se posicionava na condição de aprendiz, observador criterioso que seguia na busca de expressões e manifestações culturais de cada localidade onde chegava.
No final de 1928 e princípio de 1929, a sua segunda e intensa "viagem etnográfica" foi para região NORDESTE.
Nesse seu mergulho de pesquisador-aprendiz irrequieto... Mário de Andrade deparou-se com as nossas riquezas culturais e, também, revoltou-se com a miséria, a seca e o fluxo migratório do nordeste para região sul do país.
Em uma de suas crônicas que depois integrou o livro O Turista Aprendiz exclama: “a assombração deste Nordeste é a seca”.
Nessa época o autor de Macunaíma já era considerado uma das maiores expressões literárias do movimento modernista no Brasil. Aclamado como escritor e estudioso da nossa música popular, Mário de Andrade encara o outro artista popular como ser produtor de cultura, conteúdos e significados. Em seu tempo, preocupou-se com a preservação e o registro dessas nossas manifestações culturais visando o futuro. Preparou a memória para temporalidades então futuras e que ora já são presentes.
Seu objetivo nessas expedições exploratórias foi conhecer aprender e documentar essa nossa diversidade cultural. As raízes em forma de cantigas, toadas, cocos, aboios, emboladas, cantos de farinhadas, benditos, expressões populares, enfim, preocupou-se em registrar as tradições culturais de cada localidade visitada.
Em janeiro de 1929, Mário de Andrade intencionalmente adentrou na cidade de Catolé Do Rocha - PB vindo assustado outras cidades do Rio Grande do Norte por onde tinha passado Lampião com o seu bando de cangaceiros. Mário de Andrade relata o seguinte:
"Afinal entramos em Catolé do Rocha, com procissão do orago, rojões, gente bêbada e mendigos. Mas a cidade está desfalcada. Cerca de 1.100 famílias da zona foram pra S. Paulo. Vam’bora pro sul! Este refrão vai me perseguindo com amargura. “E só se fala agora em ir pra S. Paulo” acrescentou o informante...” (Diário Nacional, 28 fev., 1929).
Aqui na cidade das rochas e da família Rocha... Mário de Andrade sofreu e se comoveu com os pequenos detalhes da cidade, Igreja Matriz, a beleza do atual Monte Tambor e a curiosidade das pessoas.
Fez um registro magnífico dessa cidade “desfalcada” pela miséria. O escritor-pesquisador destacou o canto de uma pedinte que transmitia “uma dor magnífica, mesquinha, triste mesmo”.
A cena real descrita por Mário era a de uma menina aleijada, em um carrinho de mão, acompanhada de uma anciã pedindo moedas, repetindo um bendito melodioso. Impressionado Mário de Andrade ouviu e apenas cifrou a melodia no dia 20 de janeiro de 1929. O canto dizia o seguinte: “Deus lhe pague a santa esmola/Deus lhe leve no andor/Acompanhado de anjo/Acirculado de flor”. (Diário Nacional: 1929)
Mário de Andrade além de escritor e pianista também atuou como professor de conservatório musical. Em 1938, quando dirigia o Departamento de Cultura de São Paulo, encaminhou a Missão de Pesquisas Folclóricas para documentar as manifestações culturais que havia anotado meticulosamente em seus diários de viagens e vivências no NORDESTE.
Outro detalhe é que por ocasião da vinda do linguista norte americano Lorenzo Turner, em 1940, ao Rio de Janeiro, Mário de Andrade atendeu pedido e resolveu cantar/gravar o BENDITO que ouvira em Catolé do Rocha no ano de 1929.
Esse registro sonoro foi redescoberto por pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, na Universidade de Indiana nos Estados Unidos, em 2015.
Esse rico acervo com outras canções coletadas na época... Vem possibilitando a realização de uma série pesquisas e estudos principalmente na área de etnomusicologia, história e música popular brasileira.
Por fim, Mário de Andrade em 1939 fez uma breve descrição poética, em forma de artigo, no Jornal O Estado de São Paulo sobre a sua chegada em Catolé do Rocha, isso dez anos antes da publicação. O trecho diz o seguinte:
"Era um domingo e na igrejinha branca, admirável pela harmonia da sua fachada sem torres, a procissão entrava. O céu estava negro de nuvens que não se resolviam a chover sobre a terra, e apenas do lado do poente, uma nesga de céu limpo deixava uns últimos raios de o sol focalizarem, para efeitos da fotografia que encima estas evocações, a igreja e as casas da sua direita, no imenso largo vazio. No alto do morro, uma capelinha votiva também gritava muito espevitadamente o seu branco sem poeira, como um defeito de película fotográfica. E as casas coloridas, encarnadas, azuis, verde, limão, brincavam, numa esperança de alegria, com o ambiente feroz." Percebe-se que a vida do alto sertão paraibano ficou marcada na vida de Mário de Andrade.
Salve Mário de Andrade!
Salve Catolé do Rocha com suas tantas Histórias e Memórias!
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Crédito das imagens: Catolé do Rocha, 1929. Foto de Mário de Andrade. Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Escrito publicado no Facebook, em 30 de novembro de 2017.
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