quarta-feira, 19 de agosto de 2020

CONVERSAS DE CINE ÉDEN (Um Homem Chamado Cavalo)

  Memórias       

Richard Harris - Ator protagonista do filme "Um Homem Chamado Cavalo"


por: Cleudimar Ferreira

Nos corridos anos oitenta em Cajazeiras, a rotina de muitos jovens cinéfilos da cidade, era destacada pela paixão visceral pela telona e os devaneios vividos a partir das películas que eram exibidas nas salas dos três cinemas de rua que havia no município. Era uma magia, refletida pelas lentes ilusionarias, C
inemascope e Scope dos projetores desses cinemas, que só o cinema podia proporcionar a uma juventude ainda inocente, porém, já sonhadora. Por isso penso: “como era gostoso os encontros e as conversas que o Cine Éden nos ofertava”. Parece até que os mitos da sétima arte facilitavam os argumentos e as camaradagens. Os encontros eram inevitáveis, independentemente se o prato do dia era uma ficção ou era baseado em fatos reais.

O Cine Éden era o principal cinema de Cajazeiras, e o fluxo corrente a partir das esquinas da “Karlos Center” e da Lanchonete “Café Asa Branca”, afunilavam em direção à calçada do cinema de Carlos Paulino. O objetivo era chegar mais cedo e pegar os melhores lugares, as cadeiras da frente, nada confortáveis do auditório do Éden. E foi em uma dessas viagens, aos fins de semana, que embarquei. Meu objetivo era ser um dos primeiros a chegar ao cinema, comprar o ingresso e ser o primeiro da fila a entrar, para ver o filme de estreia daquela noite “Um Homem Chamado Cavalo”. Com Richard Harris.

Era um domingo, e geralmente o cinema lotava quando muita gente chegava da missa do padre Antônio Luiz, que terminava às dezenove e trinta, meia hora antes do inicio do filme que sempre começava as vinte horas. Mas nesse dia, não sei o que ocorreu para bilheteria do cinema ter sido aberta as dezessete e trinta da tarde, pois quando cheguei ao cinema já havia umas quinze pessoas na fila com ingresso na mão esperando um sinal da portaria para adentarem no interior do cinema. Era cedo demais! 

Cheguei, cuidei logo de comprar o meu ingresso e antes de entrar na fila, foi à portaria me certificar com do porteiro que estava ao lado do Saldado Zé Maleiro, o porquê da venda de ingressos e da formação daquela fila tão cedo. O porteiro olhou para mim respondeu que o filme naquela noite seria exibido em duas sessões e que a primeira já havia começado às dezessete horas. Na resposta, o porteiro ainda adiantou que o cinema estava lotado e que a segunda seção teria inicio às vinte horas. 

Depois da resposta do funcionário do cinema, coloquei o ingresso no bolso e subi a Praça João Pessoa em direção a Karlos Center, matar as horas e esperar o momento certo de voltar ao Cine Éden e assistir “Um homem Chamado Cavalo”. Na Karlos Center, distraído entre uma conversa e outra com alguns amigos que encontrei lá e que já haviam comprado seus ingressos bem antes de mim; vi o tempo passar num piscar de olhos. Quando resolvemos voltar ao Cine Éden, a Praça João Pessoa estava lotada de gente que havia descido da Catedral depois da missa em direção ao cinema.

Durante o percurso que fizemos entre a “Karlos Center” e o cinema, o tom da conversa entre nós, era a preocupação de chegar e ter que enfrentar uma fila gigante. E foi o que aconteceu! A fila já estava dobrando a esquina do cinema, indo em direção a Praça Aldo Matos, e um aglomerado de pessoas que não queriam enfrentar a fila, já se formava em frente à portaria aos olhos do soldado apaisana Zé Maleiro, o responsável por ordenar e organizar as filas, todas as noites na entrada do cinema.

Naquela noite de verão, de temperatura em queda, amena, resfriava um pouco o mormaço de mais um dia quente em Cajazeiras. Em todo caso, eu tinha duas opções: enfrenta a fila quilométrica em pé e esperar o final da sessão, que imaginara terminar logo; ou sentar em um dos bancos que ficava em frente ao cinema no canteiro central que dividia as duas faixas da Praça João Pessoa. Optei pela segunda opção e fiquei observando a movimentação que aumentava a cada minuto na portaria do cinema. Era tanta gente que fiquei achando a quantidade de cadeiras do cinema insuficiente para aquele povo todo. Distraído com fluxo de pessoas na frente do cinema, senti quando um vento frio e rasteiro começou a varrer as imediações do Éden trazendo com ele um cheiro de terra molhada.

Dentro do cinema, a primeira a seção de “Um homem Chamado Cavalo” parecia não ter fim, quando os primeiros pingos de chuvas na praça começaram a cair e logo depois, o toró também. O público que esperava na fila, numa correria só, se deslocou em direção a portaria comprimindo os que já estavam lá, fazendo pressão em direção ao portão sanfona do cinema. Ninguém ali queria se molhar! O soldado Zé Maleiro, com toda brutalidade que lhe era peculiar em lidar com aquele tipo de situação, quase nada conseguiu fazer para evitar uma tragédia com patrimônio do cinema.

Para não deixar nossas roupas se molhar, eu e meus colegas cinéfilos tivemos que deixar os bancos da Praça João Pessoa debaixo de uma chuva forte que já caia. Às pressas, corremos para portaria do cinema, aumentando a pressão sobre o porteiro e o soldado Zé Maleiro, que não conseguindo mais segurar a pesada força daquele público, entraram no cinema numa tentativa de fechar o portão. Mas não adiantou! A força e o empurra-empurra do publico, deslocou a sanfona dos trilhos, provocando a queda do portão sobre algumas tabuletas com cartazes que ficavam próximo da portaria.

Com a porteira escancarada, a multidão invadiu o cinema em direção ao auditório, no momento exato que a primeira sessão estava terminando. Já não se sabia quem estava fora ou dentro; quem tinha assistido a primeira e quem estava ali para assistir a segunda. Quem tinha ingresso ou não; quem havia pagado ou quem não tinha pagado. Moral da história, nesse dia “Um Homem Chamado Cavalo” deu prejuízo a Calos Paulino e o Cine Éden aceitou nas suas dependências gato e cachorro e, exibiu a contragosto, uma sessão especial para o público que estava na Praça João Pessoa, e o melhor, de graça.

Fachada do prédio onde funcionou do antigo Cine Teatro Éden

Prédio da antiga Boate, Bar e Petiscaria Karlos Center


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créditos das imagens 1 e 2: Blog Histórias de Cajazeiras - Claudiomar Mathias

2 comentários:

Josè Pereira de Souza Filho disse...

Uma aventura e tanta, essa sua, sem jamais imaginar que nada daquilo fosse acontecer, quando todo o mundo foi pego de surpresa com o temporal. O Cine Éden tem muitas histórias de Cajazeirenses e Cajazeirados ali presentes, principalmente, quando jovens adentravam e ficavam a olhar, ou observar ou mesmo procurar se, naquele momento, tinha algum amigo para se aproximar e fazer companhia para papear antes da exibição do filme. Ou mesmo, a procurar uma garota para um flerte e, depois, namorar. Era aqui onde eu queria chegar: um amigo para papear ou uma garota para iniciar um namoro. Histórias de flerte, namoro e casamento, começaram dentro de uma sala de cinema. Saudades dos cines de Cajazeiras nos saudosos tempos passados, que não voltam mais.

Francisco Cleudimar F. de Lira disse...

Amigo, você comentou muito bem. O cinema sempre foi uma magia, e as salas existentes nas cidades do interior, sempre foi ponto de encontro de amigos. O Cine Éden não costumava fazer duas sessões, mas quando era um filme considerado uma grande produção, aguardado pela população, o Éden, as vezes nos finais de semanas, fazia duas exibições.