sábado, 27 de junho de 2020

Boa recordação de Solha sobre o convite de Suzana a Marcélia para viver Macabéia.



Waldemar José Solha
escritor, dramaturgo e artista plástico.

Ontem à noite me lembrei da enorme simplicidade de Marcélia Cartaxo ao me contar, na plateia do Theatro Santa Roza, no final dos anos 80, que - depois da apresentação, em São Paulo, da peça “Beiço de Estrada”, de Eliezer Rolim, de que fizera parte estava tirando a maquiagem, quando uma colega disse que “aquela véia” estava querendo falar com ela. 

Era Suzana Amaral - que morreu agora, aos 88, então apenas cinquentona.
- Vixe, diga que agora num posso não!
- Ela disse que é muito importante. 
E era: vinha convidá-la pra um teste a fim de fazer a Macabéia de “A Hora da Estrela” - filme em pré-produção, baseado no romance de Clarice Lispector.

A diretora se entusiasmara ao vê-la em cena, pressentindo, ali, a sua grande intérprete.
- Como ela me disse que mandaria a passagem pra isso, Cajazeiras em peso ficou esperando pelo acontecimento. Na demora, acreditou-se que a história fosse furada, mas de repente chegou.

Fernanda Montenegro contracenou com ela, nesse teste - Marcélia me disse. Terminada a cena, Suzana Amaral ia sugerir algumas retificações, a grande dama do teatro e da TV e do cinema disse que... Deixasse a coisa fluir. Bem, Marcélia ganhou o Urso de Prata por sua interpretação, no Festival de Berlim de 1985. Mas emoção maior lhe veio no festival de Brasília, em que a colocaram no palco, enquanto a plateia delirava, e ali - temo que minha memória exagere - ela se encolheu, em posição fetal.

Vem fazendo uma grande carreira. Difícil esquecê-la domo a Laurita de “Madame Satã”, do Karim Aïnouz. Foi aplaudida de pé - segundo Fabiano Ristow, de O Globo - aos gritos de “viva Marcélia”, por causa de sua performance arrebatadora e emocionante no filme “Pacarrete”, de Allan Deberton”. Contracenei com ela no curta “Antoninha”, do Laércio Filho, do qual ela era, ainda, diretora de elenco, Em 2010. A mesma simplicidade. 

Vermeer deve a celebridade a Proust, que botou um personagem a se empolgar com o quadro “Vista de Delft”, no “Em Busca do Tempo Perdido”. Zé Américo foi alçado à fama por um artigo em que Tristão de Athayde bradava, ao ler “A Bagaceira”: “Romancista ao Norte”. Marcélia teve a Suzana Amaral. Devemos isso à grande cineasta.



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