Se você está no sertão da Paraíba e
quer fazer um filme, você em algum momento vai acabar procurando Laércio
Ferreira, ou como é conhecido, Laercinho. Seu coração gigante, e sua paixão
pelo cinema e pelas artes em geral fazem com que ele esteja pronto para ajudar
a quem o procura, seja para escrever um projeto, seja para emprestar algum
equipamento, seja apenas para trocar uma ideia.
Militante na área cultural desde os
anos 1980, fundador da Acauã Produções Culturais e diretor geral da Mostra
Acauã do Audiovisual Paraibano, eu diria que tem sorte quem pode o chamar de
amigo. Mas vamos ver o que ele tem a nos dizer.
FilmInBrasil - O que você tem feito
ultimamente, no seu dia-a-dia, no que diz respeito a cultura e principalmente,
ao audiovisual?
Ultimamente, devido a falta de
incentivo e até mesmo de respeito a classe artística e aos produtores culturais
por parte dos governantes, eu tenho tentado conversar, reunir e trocar palavras
de incentivos com os amigos que militam comigo há anos, mostrando que é mais
que necessário a nossa resistência nesse momento e para isso se faz necessário
encontramos uma forma de produzir, mesmo com pouco ou nenhum orçamento, e
mantermos os nossos calendários de eventos que são na verdade, o momento certo
de trocarmos energias presenciais.
FilmInBrasil - Laercinho, como começou
seu interesse por cinema?
Minha história no cinema começa com a
primeira edição do Revelando os Brasis em 2004. Os amigos Leonardo Alves,
Raimundo Janifran e J. França, fizeram o projeto e na hora de mandar a
inscrição, colocaram meu nome. Fomos surpreendido com a seleção e eu tive que
ir ao Rio de Janeiro em novembro do mesmo ano e lá tive meu primeiro contato
com essa linguagem e com alguns equipamentos. Na volta em janeiro de 2005,
gravei meu primeiro documentário “Memória Bendita”. Durante o período de
gravação já fui me empolgando em no final já comecei a sonhar com futuras produções.
De lá pra cá já são quase 15 anos e algumas histórias contadas em nove filmes
roteirizados e dirigidos por mim, além de colaboração em trabalhos de amigos
como Diassis Pires e Leonardo Alves.
FilmInBrasil - Quem são as suas
principais referências no cinema?
Sempre gostei muito de Charles
Chaplin, mesmo antes de ter alguma ideia de como se fazia filmes, a sua
genialidade já me chamava muito a atenção. Tenho Vladimir Carvalho como uma
referência no documentário que é um gênero que muito me identifico e costumo
ver e ler um pouco dos cineastas brasileiros que ao longo do tempo resistem
como verdadeiros guerreiros uma vez que volta e meia o cinema brasileiro sofre
fortes perseguições que se materializam de várias formas. Admiro muito o
trabalho de Jorge Furtado, Kleber Mendonça Filho, além de uma turma boa que
está surgindo no Nordeste, principalmente na PB e em PE.
FilmInBrasil - Como você vê o cinema
feito por você, qual sua importância para sua região?
Tento fazer um cinema com a cara da
minha região, do meu povo. Gosto de falar das nossas tradições, dos nossos
costumes e de alguma forma, dá voz aos que passam meio ou totalmente no
anonimato. Acho que a principal importância se dá por termos abertos trilhas,
termos provado que é possível fazer cinema no Sertão da PB, termos mostrado
para o mundo lugares e pessoas do Sertão que são realmente “coisa de cinema”,
além de termos feitos parcerias importantes que vão além do fazer artístico.
FilmInBrasil - Qual é para você a
importância da interiorização das ações culturais, das políticas culturais no
Brasil?
Acho de suma importância a
interiorização das ações culturais Brasil afora. Somos um país enorme e com uma
riqueza cultural invejável. Existe um povo rico em talentos artísticos, em
histórias reais e imaginárias que ainda é bastante desconhecido dos
brasileiros. Esse “Brasil Real” descrito por Ariano Suassuna, é carente de
políticas culturais, sociais e humanas.
FilmInBrasil - Como é estar a frente
de uma entidade que completa esse ano 30 anos de história? Qual sua
responsabilidade diante dessa realidade e quais são os seus sonhos ainda?
A Acauã Produções Culturais é a minha
segunda família, a ela tenho dedicado grande parte do meu tempo e dos meus
sonhos nesses quase 30 anos. Me sinto feliz, e em parte, muito realizado por
ter juntado tanta gente bacana ao longo de três décadas pra fazer arte,
discutir culturas, apostar nos sonhos e buscar transformar realidades, muitas
vezes nadando contra a corrente, mas sempre nadando. Acredito que a minha
responsabilidade hoje é tentar passar para as novas gerações, inclusive meus
filhos, um pouco dessa história de lutas e de muitas conquistas. É contar pra
eles por exemplo, como foi criar uma das primeiras rádios comunitárias no
Sertão, como foi lutar pela emancipação política de Aparecida, como foi ver
nascer o Centro Cultural Banco do Nordeste de Sousa e como tem sido a luta
constante pela preservação do Patrimônio Histórico da Fazenda Acauã, nosso
maior tesouro e talvez a nossa maior razão de existir enquanto entidade. Tenho
ainda uma infinidade de sonhos. Não saberia viver sem sonhar, sem me aquietar
com o obvio. Sonho em ver o Museu Armorial dos Sertões implantado e aberto ao
público na Acauã, sonho com o fortalecimento do nosso núcleo de cinema, com a
volta do nosso Festival de Poesia e com a possiblidade de produzirmos arte com
dignidade, com recursos financeiros e humanos e o reconhecimento do nosso povo.
FilmInBrasil - No seu entender, a
classe artística no Brasil precisa ser mais unida? Qual a importância disso
para o crescimento da atividade como um todo?
A desunião dos fazedores de arte no
país é gritante. Percebemos isso tanto nos grandes grupos que dominam a mídia,
como nos alternativos. Não tenho a menor dúvida de que se uníssemos mais as
nossas forças, se valorizássemos mais os nossos artistas, os nossos trabalhos,
conseguiríamos muito mais espaços, seríamos muito mais fortes e forçaríamos os
governantes a olhar a cultura com outros olhos.
FilmInBrasil - Muitos produtores tem
decidido ir filmar no sertão. Porque isso acontece, ao seu ver?
O Sertão é literalmente “coisa de
cinema”! Temos cenários naturais belíssimos, um sol que nos proporciona uma luz
magnifica e um povo de uma hospitalidade ímpar. Tudo isso, sem falar nos
talentos que estão por todos os lados, seja atuando ou encontrando soluções caseiras
para as questões técnicas. O Sertão tem muito ainda a ser descoberto, tem muito
ainda a dar a arte brasileira.
FilmInBrasil - Com o quase
desaparecimento dos editais de cinema à nível federal, produtores pelo Brasil
afora estão indo atrás dos editais nas esferas estaduais e municipais, mas isso
não acontece na Paraíba, com exceção da capital João Pessoa. Qual sua visão
sobre isso, e como produzir cinema nessas condições?
Tem sido difícil e desestimulante
viver essa realidade do Brasil e da PB. Além de não podermos mais contar com os
editais do governo federal que a única coisa que tem feito é perseguir e
marginalizar a classe artística brasileira, ainda não podemos contar com
editais estaduais de fomento a produção, aja visto que o último edital do Fundo
de Incentivo à Cultura “Augusto dos Anjos”, foi lançado em 2015. Esse ano o
Governo através da Companhia de Água e Esgoto da Paraíba, lançou um edital para
apoiar 16 festivais de cinema em todo o Estado. Pelo menos esses eventos estão
assegurados pra acontecerem no Estado da Paraíba após a pandemia. Se tratando
de política municipal, somente a cidade de Cajazeiras tem um pequeno edital de
incentivo. A cidade de Sousa tem uma Fundação que tem buscado o contato direto
com os artistas e tem viabilizado pequenos projetos, as demais cidades
praticamente não discute esse assunto. Fica difícil demais fazer cinema,
música, teatro, poesia e qualquer outro tipo de arte nessas condições. É
preciso muita coragem, determinação e resistência pra não desistir e manter vivo
o sonho de fazer arte na Paraíba atual.
FilmInBrasil - Quais são seus próximos
projetos audiovisuais?
Esse ano eu quero fazer um encontro
que marque a comemoração dos 30 anos da Acauã Produções Culturais, ainda
estamos pensando como será, mas até dezembro haveremos de realizar. Quero
também fazer um grande edição da nossa Mostra Acauã do Audiovisual, que esse
ano completa 10 anos de existência. Além disso quero circular com a exibição do
filme Príapos que eu tive o prazer de realizar em parceria com o meu
amigo/irmão Marcelo Paes de Carvalho e tenho um projeto para fazer mais uma
animação em uma parceria muito especial com a minha filha Maria Tereza
entrevista publicada no site: http://www.filminbrasil.com/site/
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