[In memoriam]
homenagem a seu Assis das Candinhas um dos barbeiros
mais antigos de Cajazeiras
mais antigos de Cajazeiras
Na Praça Coração de
Jesus, que ainda hoje em Cajazeiras é conhecida como Praça dos Carros, tinha
meu pai, em prédio do Dr. José Marques, um salão de barbeiro. Com ele trabalhavam
Cícero Camucega e Amâncio Lopes, e era o salão o ponto de encontro dos motoristas
da praça e toda a cambada que gostava de piadas e fofocas. Era o salão, antes
de tudo, uma escola de humor sadio e autenticamente sertanejo, daí o seu
prestígio como ponto de reunião da cidade.
À frente do prédio e sob a acolhedora sombra do frondoso figo-benjamim,
meu pai colocava, religiosamente, todos os dias um grande banco de madeiras,
que servia de lugar de assento aos fregueses e frequentadores da barbearia. As
primeiras horas do dia começavam morosamente a chegar os amigos, humoristas
natos e fregueses do meu genitor e dos outros oficiais barbeiros. Entre as inúmeras
figuras conceituadas e folclóricas que acorriam ao salão do “Seu Mané”,
lembro-me muito bem do Cícero Lavor, que botava apelidos sui generis e
curiosíssimos ricos da terra e do Zé Pita. Ah! Pita Velho, poeta, boêmio e
compositor original. Todo o dia lá aparecia cantando com a língua trôpega pelo
álcool o sambinha de sua autoria e predileção, cujas palavras da letra ele
pronunciava assim: “Eu que-que-ro cu-cu-mer, cumer me-me-lan-lan-cia melancia,
eu que-quero quero dar, dar-te, u-ma uma fo-fo-fotografia, o meu ca-ca-caráter
é do ho-ho-homem, eu que-que-que-quero cu-cu-cu-mer cu-mer me-me-na-lan-cia
melancia. Era uma dificuldade!
Mas a história, propriamente dita, que lhes
conto hoje do salão do meu pai aconteceu com meu velho e querido amigo Amâncio.
Ele fora antes agricultor. Viveu quase a vida inteira num pé de serra e com não
sabia ler nem escrever falava errado que era uma “beleza”. Mas isso não era
problema para o estimado personagem principal desta narrativa. Podiam sentar-se
em sua cadeira de barbeiro, bispo, vigário e doutor que ele não se encabulava,
pelo contrario puxava conversa. Só não gostava de falar de politica porque
misturava tudo, mas de agricultura, inverno bom e mulheres era com ele mesmo.
Certa feita, um freguês de meu pai, que
trabalhava no banco, encontrando o velho ocupado com outro freguês, foi cortar
cabelo e a barba com Amâncio. Como já afirmei, o Amâncio gostava muito de
conversar com os fregueses enquanto lhes cortava cabelo e barba, mas acontece
que naquele dia ele estava atentando a um casmurro e sujeito que tinha verdadeiro
pavor de quem falava errado o português. Entretanto, o nosso fígaro não sabia
desse particular do tal bancário e enquanto o atendia tome conversa, conversa e
conversa. O cara, apesar da navalha na garganta já estava para explodir. Não
estava suportando tanta conversa fiada e tantos erros grosseiros de português.
Diabo de barbeiro mais tagarela para agradá-lo não se importava de assassinar em
sua presença a mais pura Flor do Lácio. Para completar a indignação do bancário
o nosso bom barbeiro ao terminar o serviço perguntou-lhe: “Voimicê qué aico,
taico ou que qui mui?”. Aí o freguês danou-se: “Se o Senhor pronunciar pelo
menos uma palavra certa, eu lhe dou um conto de réis de gorjeta”. Mas o Fígaro
não entendendo o que ele havia dito, indagou-lhe: “Cuma foi qui voimicê dixe?”.
E o bancário: “Nada, não Senhor. A conta”.
Como eu estava por perto, meu pai, quando o
freguês saiu, virou-se para Amâncio e disse: “Se fosse Barberim tinha ganhado
essa gorgetona” ao que respondeu-lhe tranquilamente; o Amâncio: “Voimicê, Mané,
só diz isso pruque seu fio estuda no suminaro”.
Fonte: Jornal A União
Credito da imagem: TV Diário
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