Cleudimar Ferreira
cleudimar.f.l@gmail.com
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O ronco bem
distante das boquiabertas nuvens do espelho céu turvo que se precipitava na
matinal manhã daquele dia, nos alegrava e dava força para descer a colina. Meu
pai contente com aquele "climão" pegou a roçadeira e os dois sacos de
estopas, passou por mim, olhou e disse: - vamos? Engoli bruscamente o resto do
café da caneca de ágata, agarrei a gaiola com o alçapão e o Galo de Campina, e respondi: -
vamos! Saímos na descida híbrida que formatava nosso caminho em direção ao
baixio. Ainda era sedo demais para aquela aventura, pois já estava passava das cinco
horas daquela manhã e o sol nem sinal de vida dava, face ao “cortinário”
chuvoso que encobria a terra naquele momento.
Seguimos sob a orientação daquele
traçado molhado em direção à roça. A cerração nos contemplava com um belo
cenário, porém difuso e até confuso para mim, se comparado com os dias normais
que eu costumava ver. Mas mesmo com a visão embaraçada, íamos, caminhávamos em
busca do que naquele plantio havia para nos ofertar.
Quando chegamos, meu pai entrou no
escuro verde do milharal, quebrando todas as espigas que podia quebrar. Era
fartura pura! Aproveitei aquele momento de vislumbre do meu "papai" e
desaparecei de capoeira adentro com minha gaiola na mão. Não precisei andar
tanto. Procurei o melhor local para armar o alçapão, pois a oferta de pássaros
naquele lugar, principalmente de Galo de Campina, era muita nos meus olhos de
garoto de nove anos.
Ao voltar aquele roçado, abri com mais
atenção os ouvidos para os pesados barulhos dos trovões que vinha por trás da
serra de Boqueirão, e me embrenhei dentro do plantio de milho, buscando o encontro com o meu
pai. Após minutos de procura, o avistei mais abaixo da roça, a beira de um
pequeno riacho que corria água dormida, cristalina, gelada da noite passada de
chuva fria torrencial. Quando cheguei, ele arregalou os olhos e foi logo
perguntando onde eu estava e o que eu andava fazendo dentro do capoeiral.
Respondi que tinha ido armar o alçapão para pegar pássaros.
Deixamos a beira daquele córrego em
direção à parte mais alta da roça. Era nessa região do milharal que ficava as
plantações de melancia, pepino e maxixe. Quando chegamos, estava a nossa espera
o que de mais maravilhado aquela terra podia nos dar. Fique a contemplar com
admiração àquela exposição de frutos fresquinhos revestidos com os pingos do
orvalho transparente da manhã.
No plantio de melancia, meu pai
começou a percorreu as ramas dessa fruteira, batendo e escutando o tom que cada
melancia apresentava na procura de uma melhor e mais suculenta, a mais madura
que ele poderia encontrar naquelas ramalheiras. Com tanta experiência que o
mesmo tinha no manejo dessa cultura, não passou muito tempo e ele arrancou uma
da touceira, e disse: - essa tá boa! Em seguida puxou a faca de sete polegadas
da bainha e passou na melancia. Quando dividiu em duas primeiras bandas, se
revelou a intensa cor avermelhada da fruta.
E assim ele saiu fatiando... Fatiando, até cortar em tamanhos ideais
para ser comida. Quando terminou de fracionar o fruto, me deu a primeira fatia “friinha”,
docinha de sabor sem igual. As lembranças desse tempo pararam em mim por
definitivo. Fez morada nos meus dias lentos, sem pressa para um possível
esquecimento de tantos invernos bonitos e maravilhosos que vivi e que agora
folheados de detalhes pelo tempo, ainda me faz recordar.
2 comentários:
Relato muito objetivo de quem viveu no sertão, de família humilde, que tinha no inverno a única certeza de boa colheita!
Só quem vive no sertão sabe dá o verdadeiro valor às coisas de lá.
Com riqueza de detalhes, você traçou com propriedade todos os fatos de um dia no roçado à colher os frutos do trabalho do homem do campo!
Parabéns Cleudimar!
Obrigado amigo "Dotô". As coisas boas que vivemos nunca esquecemos, pois elas ficam para sempre e é para sempre.
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