sábado, 14 de abril de 2018

CRÔNICA PARA MEU AÇUDE



por Lenilson Oliveira


Hoje, fui caminhar às margens do Açude Grande de Cajazeiras. Sim. Temos o privilégio de ter um açude centenário no centro da cidade. Sim, ele continua lá, esquecido, maltratado, assoreado e toda sorte de adjetivos que denotem o abandono a que está relegado.

O nosso velho Açude Grande – oficialmente Senador Epitácio Pessoa – que neste mês de abril completa seus 102 anos de inauguração, teve o seu centenário alardeado e festejado em 2016, com declarações em prosa, verso e bolero – com direito a Jurandir do Sax deixar e seu jacaré e coroar Ravel pelas plagas sertanejas, sessões especiais, promessas, projetos mirabolantes e toda a pompa para as selfies e fotografias oficias. Tudo como manda o figurino. Tudo como vem se repetindo há mais de décadas sem nada de concreto, a não ser a construção do Complexo Turístico Antônio Simão de Oliveira – o famoso “Leblon”. E só.

Estive hoje lá e não pude evitar uma quase “regressão” à minha infância e adolescência, não tão distante assim (risos), quando nossa turma saía da Praça Padre Cicero e imediações e aí se esbaldar naquelas éguas, sobretudo em tempos de sangria, normalmente até o final da quadra invernosa, entre março e abril, como agora.

Doces lembranças de um tempo em que a molecada e mesmo muitos adultos ainda tinham o Açude Grande como opção de lazer numa cidade que pouco ou nada tinha a oferecer. Era sempre uma festa, mesmo que, infelizmente, tivéssemos notícias de uma ou outra morte de alguém mais afoito levado arrastado pela força da água. Coisa rara, mas acontecia.

Não me lembro em que momento eu fui me afastando do meu Açude. Talvez tenha sido pelo processo natural como acabamos nos afastando de tantas coisas e pessoas ao longo da vida. Talvez tenha sido da mesma forma como me vi me afastando da turma da Padre Cicero – hoje limitando-nos a meros cumprimentos entre os que ainda se esbarram aqui e ali.

Sim, fiz uma selfie da ponte da minha infância – para a qual também já fiz poema e estava no varal poético do Centenário em 2016 – e o sangradouro vazio atrás de mim foi preenchido pelas cenas de antigamente, com a gente se segurando nas pilastras para não ser levado pelas águas, por muitos pais protegendo seus filhos, pelo mais corajosos se deixando levar pela correnteza...

O relógio me traz agora de volta à realidade da quase há de ir trabalhar. Assim, me despeço e me prepara para mais um mergulho no meu Açude. Sintam-se convidados.





transcrito
Gazeta do Alto Piranhas. 13 a 19.abril.2018

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