Numa
cidade qualquer de qualquer interior do Brasil, a janela é o único ponto de
apoio necessário para que as pessoas vislumbrem o mundo ao redor. Por ela,
passa boi, o homem do leite, um carro de som anunciando a liquidação no armazém
de Seu Zé e as inevitáveis conversas com os vizinhos. Através desses diálogos,
a troca de informações sobre a vida da própria comunidade e o que acontece
também além-mar. Isso até o advento do rádio e depois da televisão, fazendo com
que a janela passe a ter cada vez mais uma conotação simbólica, diria até mais
poética, que remonta a um tempo esmagado pelo poder avassalador dos meios de
comunicação.
Em
síntese é disso que trata o livro Janelas da sedução cotidiana, de autoria do
jornalista paraibano Lúcio Vilar, lançado pela Editora Universitária. O livro é
importante para qualquer estudioso (ou curioso) do fenômeno da Comunicação
Social, por fazer um resgate minucioso dos primórdios da radiofonia paraibana e
de suas consequências na mudança de comportamento que impõe às comunidades mais
interioranas. Apesar de se prender ao universo do Alto Sertão paraibano, mais
especificamente na região polarizada por Cajazeiras, Vilar expande esse campo
de ação, na medida em que desenvolve seu trabalho citando exemplos e estudos
sobre outras regiões do país onde aconteceram fenômenos semelhantes.
Embora
tenha nascido fruto de um trabalho acadêmico, o livro de Lúcio Vilar seduz o
leitor em uma narrativa fluente e ágil. Sobram depoimentos interessantes sobre
a pré-história da radiofonia em Cajazeiras, de pessoas abalizadas como Maílson
da Nóbrega, Nonato Guedes e Tarcizo Telino, entre outros. Os depoimentos são
confrontados de forma inteligente pelo narrador, sempre mostrando os lados
positivos e negativos dos assuntos abordados. Também não faltam episódios
pitorescos dos primórdios da Comunicação no Alto Sertão. Como o da visita de
Assis Chateaubriand a Cajazeiras. Conta Lúcio Vilar a versão de José Gonçalves:
Chateaubriand instalou um sistema de TV no comício; ele falava no palanque e a
imagem dele aparecia no monitor. Este fato revolucionou a cidade, porque o povo
todo só havia falado de televisão, ninguém na verdade havia visto uma. O
engraçado é que o povo deu as costas para o palanque, correndo para o outro
lado da rua, onde estava a televisão.
O livro não se atém apenas aos fatos
engraçados. Ele aborda o surgimento das emissoras de rádio
e as sucessivas crises econômicas que alteraram a grade de programação. Conta
como foi a instalação da FM pioneira no Sertão – a Patamuté. Também narra os
bastidores que provocaram a venda das duas emissoras Am que polarizavam a audiência dos ouvintes da região até o final
da década de 80.
Depois chega às retransmissoras de canais
de televisão. As influências da velha Tupi na comunidade e
nos próprios programas radiofônicos. O talentoso Zeilto Trajano, por exemplo,
quebrava discos no ar, no melhor estilo Flávio Cavalcanti. Surgem os televizinhos
e a Televisão cria um outro tipo de janela. Em seguida, as antenas parabólicas,
aquecendo o comércio e impondo novas realidades e costumes para a região.
Janelas da sedução cotidiana não é um
livro pessimista. Como diz a apresentação do professor Mauro
Wilton de Sisa, ele descobre no interior de percursos culturais vividos em
Cajazeiras, na Paraíba, que não é porque a TV é nova que suplanta o rádio,
assim como esse não suplante outras expressões culturais locais. Na verdade, as
janelas apenas mudam suas estruturas arquitetônicas. Elas agora são eletrônicas
e ampliam o olhar do observador para além dos limites do seu próprio universo.
As pessoas ainda utilizam as calçadas para trocar informações, mesmo que seja
sobre o último capítulo da novela das oito. Ao meio-dia, mantém a audiência dos
programas radiofônicos. Sob as bênçãos de Santa Clara.
LINALDO GUEDES
Jornalista e poeta.
Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde
1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros
poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora
Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e
“Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de
como
se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.
fonte: www.conexaoboasnoticias.com.br
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