Cleudimar Ferreira
Em
umas das sextas-feiras de dois mil e nove, despendia as horas no Ponto de Cem
Reis - centro de João Pessoa, olhando curiosamente naquela tarde de céu azul;
naquele espaço público; marcado por jogadores de dama em ação; e assim,
esperando o tempo passar e os ponteiros do relógio marcar dezoito e trinta,
número simbólico do permissivo horário determinado pelo meu subconsciente, que
seria o ponto da minha partida a pé, até o destino final - à Escola Santos
Dumont, situada na colina fria que acenava para a Ilha do Bispo e o Cemitério
Senhor da Boa Sentença. Cidade baixa, região do Varadouro.
É...
Tudo transcorria bem e jogo também, quando aquele objeto móvel fez barulho em
minha bolsa. Abri o zíper, apertei a tecla e escutei a mensagem: “Cleudimar,
não haverá aula hoje na escola. Uma pane elétrica provocada por um objeto
metálico jogado no registro provocou um apagão”. Dizia assim Aldafran, gestora
daquela unidade escolar. Fiquei aliviado, pois era de praxe fazer sempre esse
percurso a pé, todas sextas-feiras, a contragosto das pernas, só pela
necessidade de economizar uns trocados do transporte coletivo, que quase sempre
não dava para chegar ao final do mês.
Decerto
que a minha sina naquela sexta não era mais a sala de aula daquela escola;
aproveitei a oportunidade para mudar o meu programa naquela noite. Defini que o
meu ponto final seria o Teatro Santa Rosa para ver Fernando Teixeira em
“Esparrela”, que segundo o próprio ator era um texto simbolicamente filho de
outro monólogo “um tomate esmagado por um carro”, também de sua autoria. Como o
Ponto de Cem Reis era poucos minutos daquela casa de espetáculo e sendo
aficionado pelo jogo de dama, deixei aproximar às vinte horas, que era o tempo
previsto do início de “Esparrela”.
Quando
vi que as luzes acesas da cidade já não mais clareavam como a luz daquele fim
de tarde, olhei para o meu “technos”, e vi que às horas tinha passado
despercebida, e no tic-tac da máquina, estava faltando pouco menos de trinta
minutos para as vinte. Naquele instante, deixei aquele lugar e apressado me
desloquei ao Teatro Santa Rosa pela Rua Pelegrino de Carvalho - parte que
antigamente se chamava “Beco da Misericórdia”. Quando me aproximei da Igreja da
Misericórdia, e já imaginava o tamanho da fila que me esperava, ouvi uma voz
sussurrante chamar: “Cleudimar”. O som era como se alguém estivesse próximo de
mim. Imediatamente, olhei para trás e não vi ninguém além dos jogadores lá na
praça e de alguns garis que recolhia entulhos das portas das lojas, bem mais
distante já próximo ao Paraíba Palace Hotel.
Achei
algo estranho naquilo que meus ouvidos me denunciavam. Apresei mais o passo e
pela Rua Pelegrino de Carvalho o meu caminho tracejei. Em um instante, pude
perceber que a ausência de pessoas na área era total. Quando em passos largos
chegava à esquina da Biblioteca do Estado, iniciei o cruzamento da Rua General
Osório; olhei a direita e nesse instante um senhor que vinha em minha direção,
perguntou: “Tá apressado? ” Sem dar muita importância ao desconhecido, diminui
as passadas e perfilhando para aquele senhor, respondi: “Não! O velho que não
parou e nem diminui um só instante a sua forma de andar; em cima da hora
respondeu: “Não precisa ter presa, pois o seu tempo vai chegar e o que ti
espera, não vai sair de lá”.
Vendo
que o misterioso velho queria conversa; parei, iniciei um sorriso, virei o
pescoço e perguntei: “por que o senhor está dizendo isso? E assim, aquele
senhor que já deixava o cruzamento da Rua Pelegrino de Carvalho e se deslocava
ao Grupo Escolar Cilaio Ribeiro, assim me deu a resposta: “não precisa ter
presa, você vai chegar e ele estará te esperando”. Meio encabulado, achando
tudo aquilo muito estranho, não dei mais importância ao que o velho havia me
respondido, e assim segui. Olhei para frente e continuei no meu caminho, porém
curioso e pensativo com as palavras que acabara de ouvir. Imediatamente voltei
a olhar para trás para observar melhor aquele senhor. Porém, qual foi a minha
surpresa; o ancião havia desaparecido repentinamente.
Parei, olhei melhor em direção à esquerda e a direita da Rua
General Osório e nada daquele ascético senhor, avistei. Assustado com o que
acabara de passar; o medo imediatamente se apoderou do meu coração, que já
pulsava com rebeldia em frequência evolutiva. Sim, o medo tomou conta de mim e
os pelos dos braços se verticalizaram. Imediatamente, iniciei uma carreira em
disparada pelo trecho em ladeira da Rua Pelegrino de Carvalho. A velocidade que
imprimi para fugir daquele inesperado momento foi tão grande que não conseguia
sentir onde estava pisando. E assim, cheguei a Praça Pedro Américo em meio a
prostitutas e pretendentes que me olhavam confusos e curiosos.
2 comentários:
Conheço Cleudimar Ferreira desde à década de 80, movido pelo movimento teatral paraibano e mais precisamente por sermos amigos do Curso de Educação Artística da UFPB, no ano de 1985. Aprendi a gostar deste cabra desde a primeira vez, vencido pela sua personalidade forte e verdadeira de um nordestino que não precisa de documento para comprovar a sua idoneidade, e sim, a palavra por si só basta. Um conto espetacular que li de cabo a rabo e noto em cada escrita do amigo, que além de um grande poeta, o Cleudimar é um grande contista. Crônicas de um dia mal assombrado. Aquele abraço e feliz 2018.
Valeu bentinho. Você foi... e tem sido o meu professor. Um abraço amigo e feliz 2018.
Postar um comentário