Foto meramente ilustrativa: Reinaldo Canato/UOL
Pelas ruas nuas, Odethe andava sem preconceito.
Via as vias da cidade com suas luzes avermelhadas embaraçar seus olhos de vidro
esverdeados, aquebrantados de sentimentos. Sabia que aquele dia poderia ser o
último, mas poderia ser o mesmo dos outros que já passaram, pois, a fome,
apesar de incomodar, não parecia ser mais a dor principal de todas que sentia
na sua consciência. Inocente, pura, sem vaidade nenhuma, tocava a vida com as
mãos e os minguados sons que tirava do pandeiro amigo - a única razão que
sobrou do seu entusiasmo pela música. Apesar da rotina leve e solta que levava,
sentia o peso da vida dura que as condicionantes dela lhes presenteavam a cada
segundo das horas, muitas passadas ao lodo de Dodge, um companheiro fiel, porém
fujão, que sempre a deixava desamparada nas noites frias e violentas do
Varadouro. Dodge, nunca demonstrava o afeto que ela esperava que ele tivesse
para arrancar um sorriso de seus lábios sedente de paixão. Por isso, não
esperava tanto do companheiro ausente. Refletia ela em meio aos olhares dos
transeuntes: “tudo bem, seja em que plano estiver estará bem, espero! ” Não
tinha outra forma de ser feliz, se as lembranças do companheiro de estrada não
saíam da pequena agenda em farrapos, ainda manchada de sangue da tragédia que
viveu. Sentia-se um lixo andante, podre e nojento, qual foi a sina preparada
pelo mundo injusto e excludente. Elevava ao alto a cabeça como se tivesse
pedindo socorro ao além, contando uma por uma as migalhas de nuvens que
cruzavam o céu azul, enquanto arrastava pelas calçadas da Integração um destino
incerto. Olhava os trapos em retalhos a sua volta; acostumara com o cheiro
azedo da vergonha que humildemente conduzia em dois sacos de estopas. Mal sabia
ela que, o seu destino estava nas poucas moedas que ganhara e na ponta de uma
lâmina de estilete que lhes sufocava a garganta. Mal sentia ela que, tudo
aquilo ia terminar em poucas horas.
observação: a imagem da mulher na foto, não é a personagem do conto.
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