MARIANA MOREIRA
Um redemoinho buliçoso espalha nuvens de poeira
sob o azul céu sertanejo de setembro. De algum recanto de rua restos de flores
ganham asas e tingem o infinito de pequenos objetos incorporando o sonho humano
de voar. A desidratada paisagem se acanha em espinhos e troncos retorcidos na
constituição da reserva de sobrevivência, emoldurando nossas periferias com
novelos de fumaça que abundam em queimadas e insanidades.
O calor asfixia e reclama uma frondosa sombra
de oiticica que murcha entre paralelepípedos, muros e paredes da cidade
agigantada por suas próprias pernas e lucros, invadindo espaços, soterrando
riachos e córregos onde outrora serelepes meninos se faziam meninos em bancos
de areia e filetes de águas invernais. Um solitário banco improvisa uma praça
sombreada por plantas estrangeiras que afugentam e matam tuas abelhas de
arapuás, teus maribondos.
Em tuas calçadas irregulares e geometricamente
disformes o movimento de cadeiras de balanço no embalo do aracati são abafados
por motos, carros, barracas de ambulantes, oficinas mecânicas, pontos de moto
taxi. Desbotados, emergem tímidos traços das “amarelinhas”, ou “academias”,
onde meninas de traça e vestido de chita sonham vidas em saltos sistematizados
e olhares de ontens.
A noite uma frondosa lua cheia rasga o céu na
espreita de uma sinhazinha que lhe enamore pelas frestas de uma discreta
janela. Sinhazinhas são somente memórias e janelas para as ruas se escondem
atrás de pesados muros ou grossas grades que traduzem falsa segurança ou
imuniza da modernidade violenta e pecaminosa. E a lua míngua ofuscada pelo
clarão artificial de tuas lâmpadas e luzes e recolhe-se atrás de desgarrados
filetes de nuvens que se apressam para lugar nenhum.
Em tuas ruas, becos, avenidas circulam
apressados corpos que, na peleja cotidiana da vida, se curvam e não vislumbrar
horizontes, telhados, imensidões. Não enxergam o beiral de um antigo casarão
que, carcomido, resiste ao tempo, a modernidade e a especulação traduzida em
cimento, vidro e mesmice. A miopia dos nossos tempos nos acostuma a ver o belo
somente no que pode ser traduzido e explicado pela lógica, pelo cálculo, pela
racionalidade. E os derradeiros sonhos da cidade se dissipam nas pás dos
tratores que demolem e aplainam as rugas, os recônditos, os enigmas.
Do alto de teu morro um Cristo esgueira-se
entre a parafernália tecnológica na busca de um horizonte da cidade que lhe
acolhe como protetor. Das locas e fendas de tuas rochas exala fumaça do
tráfico. De tuas encostas construções desafiam o equilíbrio e as teorias da
física e se avolumam espantando onças, lagartixas e matos.
E a cidade caminha
para o futuro, que se espelha nas barrentas e poluídas águas de teu açude
grande que reflete a beleza do por do sol e inebria turistas e nativos,
indiferentes ao odor que mata teu oxigênio e te usurpa a vida.
fonte: Colunistas - Diário do Sertão
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