por: Cleudimar Ferreira
A pintura em mural ou muralismo é um procedimento antigo na arte universal. Suas primeiras produções são remotas, vieram do período da pré-histórica com
as primeiras pinturas elaboradas por homens-caçadores, cuja tematica, apresenta seres humanos perseguindo bisões, mamutes, veados e outros animais, ou cenas do cotidiano em que viviam, feitas em diversos tamanhos ou em tamanho real no interior das paredes das
cavernas.
Depois, muito mais adiante, no arcaico mundo Grego, teve o seu uso intensificado, se
espalhando por todo império romano e na antiga era bizantina. No transcorrer da idade clássica, os trabalhos de Giotto
deram extraordinário impulso a esse tipo de pintura. Durante o Renascimento, foram
criadas algumas obras-primas em murais, como os conhecidos afrescos da capela Sistina, executados por Michelangelo, e a belíssima pintura "Última ceia", produzida por Leonardo da Vinci.
Com o passar do tempo, sua produção foi se tornando uma atividade popular na arte, ressurgindo com todo vigor no século XX, em três momentos: um
gênero mais expressionista e abstrato, protagonizado em Paris por grupos cubistas e
fauvistas, que influenciou nos trabalhos de Picasso, Matisse, Léger,
Juan Miró e Chagall. Sequenciou com movimento revolucionário mexicano, dos
muralista Diego Rivera, David Siqueiros e Clemente Orozco e em um curto momento
nos Estados Unidos no incio dos nos 30.
No Brasil, a ideia de ocupar espaços urbanos
com murais ou mesmo tornar ambientes arquitetônicos harmoniosos com a
introdução dessa arte, apareceu com bem mais tenuidade, depois dos anos 50 com a construção de Brasília.
Na Paraíba, artistas como Flávio Tavares, Euclides Leal e Arthur Cantalice, experimentaram nas décadas de 60 e 70 essa técnica, deixando seus murais em espaços
públicos e clínicas médicas.
No final da década de 80 e início dos anos 90,
um grupo de artistas plásticos de João Pessoa, patrocinados pelo Sesc,
urbanizaram avenidas e ruas da capital com imensos murais coloridos, com
temáticas e estilos diferenciados. Começava assim a popularização da pintura de
rua no Estado da Paraíba.
Em Cajazeiras, ainda não há com consistência, registros passados do uso
dessa técnica; a não ser, esporádicos resquícios executados
em paredes de algumas igrejas, muitos desaparecidos ou desgastados pela má conservação ou ação do tempo, obviamente, relacionados a temática cristã,
direcionados, portanto, a educação religiosa.
A pintura de muro propriamente dita, surgiu na cidade a partir da
imaginação da Artista Plástica Telma Cartaxo, que como um sonho visionário de quem
dormia fazendo da arte, usou seu travesseiro preferido, que lhes acolhia com seus
pensamentos e devaneios para transformar essa viagem num antiquado projeto denominada de "Pintar Cajazeiras" . Tanto é, que tardiamente, seu sonho só veio ser concretizado
em 1987, quando a técnica já tinha se tornado uma febre enfadonha nos grandes
centros urbanos e a sua força, já não atraia tanto a atenção do público
em geral. Crivo nesse contexto, a explosão a ascenção do popular grafite pelo Brasil a fora, como por axemplo, a cidade de São Paulo.
Embora, segundo
afirmou a própria Telma Cartaxo na época em que foram realizados os primeiros murais do projeto na cidade: "foram nove anos de uma ideia adormecida", ideia cuja relevância no momento em que
foi colocada em prática já não empolgava mais, mas para uma Cajazeiras tão distante
geograficamente das novas tendências da arte, teve um significado importante,
pois impactou os olhos de sua gente e regozijou a autoestima de seus artistas
envolvidos, muitos ainda apartados de um entendimento primário da técnica do
mural, uma atividade urbana característica das metrópoles do mundo moderno, que não mais tinha tanta graça assim, cujo grafite hoje é o substituto; a evidência e a realidade das ruas.
Veja abaixo o texto "O difícil parto da arte na rua", de autoria da jornalista Mariana Moreira, publicado no Jornal A União, página 11 - estadual, do dia 09 de setembro de 1987, onde ela relata em uma espécie de crônica, como foram os primeiros momentos da execução do projeto nas ruas de Cajazeiras.
Veja abaixo o texto "O difícil parto da arte na rua", de autoria da jornalista Mariana Moreira, publicado no Jornal A União, página 11 - estadual, do dia 09 de setembro de 1987, onde ela relata em uma espécie de crônica, como foram os primeiros momentos da execução do projeto nas ruas de Cajazeiras.
O
difícil parto da arte na rua
Reportagem: Mariana Moreira
Fotos: Jose Almir
Os
muros sujos e polidos pela propaganda eleitoral e comercial abrem alas para a
arte. Os artistas saem as ruas e, trazendo no arsenal a munição de pincéis,
tintas, solventes e criatividade, forjam uma guerra contra o inimigo
insensibilidade e marasmo. É o projeto “Pintar Cajazeiras”, concebido há nove
anos por Telma Cartaxo e Íracles Pires, e que agora vem a luz deixando em cada
esquina painéis gigantes que motivam participação arte-povo. O apoio é
minguado, mas a alma do artista transborda de esperança e leva para o povo sua
criação.
De repente a paisagem da cidade transfigura-se.
Nos muros povoados por cartazes de velhas-recentes e ilusórias campanhas
eleitorais a mão do artista manuseia o pincel e traça novos riscos,
metamorfoseando gigantescos painéis que quebram o clima cinza e melancólico da
modorrenta rotina cajazeirense. Da concepção individual ou coletiva vão
surgindo traços geométricos, motivos tropicais ou visões abstracionistas como
artista – como membro do povo.
O projeto “Pintar Cajazeiras”, gestado há nove
anos na lucidez de Íracles e Telma Cartaxo, somente agora ensina seus primeiros
passos, acalantados pela longa espera que pontilha a alma do artista de
cansaços tantos e esperanças mais. “Pouco me importa que tenha ou não
infraestrutura porque o que conta é que ele chegou num momento bonito, onde a
emoção de pintar Cajazeiras e bem maior que o tempo de espera e a dor de
partir”, evangeliza Telma Cartaxo.
Dessa forma, pelas ruas de Cajazeiras, no
passar das horas que se agrupam em dias, muros são transformados em painéis,
pintados sob a proteção de Deus Sol e como o testemunho da população –
boquiaberta ante a iniciativa da arte saindo da clausura dos ateliês e ganhando
cor, forma e vida em cada beco, em cada esquina. E a receptividade que o projeto
vem recebendo da comunidade evidencia a verdade de que ele, agora, tornou-se o
filho bem-vindo de toda a cidade. “E se faltar tintas, pincéis, solvente,
verniz deixo a coisa correr. De repente, todo mundo contribui, se envolve e
embala meu sonho”, profetiza Telma Cartaxo, reconhecendo que “o mundo da arte é
um mundo fantástico, onde formas e cores fazem a humanidade mais linda e mais
consciente”.
A consciência que precisa ser mais atiçada e
melhor aguçada para que os pincéis não pereçam na velocidade da destruição
gerada pela ignorância do seu significado. Não apenas Telma, mas todos os
artistas engajados no projeto comungam do receio de que a arte que ganhou as
ruas seja por elas consumida indevidamente e a todos acometa da indigestão
imbecil do não entendimento. O temor de que amanhã os muros sejam desconexos
espaços de publicidade eleitoral enganosa, disputados acirradamente, mas que
não refletem, não questionam... apenas torna subserviente a consciência humana.
O projeto “Pintar Cajazeiras” já pariu sete
painéis que espelham a visão individual de quem maneja o pincel e os
condicionamentos que o artista sofre no dia-a-dia. O Painel do Olho é o mais
significativo resultado do projeto porque traz a marca do traço infantil. Foram
crianças do centro e da periferia da cidade que, a partir da perspectiva
pessoal da função política do olho delinearam seu próprio universo.
A visão política que levou Ionas, Ivonaldo,
Ednaldo, Sandro e Cristiano a deixar nas paredes da Juvêncio Carneiro as
pinceladas dos “Emergenciados e Marajás”. Das crianças que pretendem invadir o
Teatro ICA e fazer de suas paredes o espelho de sua alma, tingindo de vida os
sonhos de Íracles. Eles todos, aliados a João Braz, Iwallone, Neide, Ricarte,
Aldacira, Telma Rolim, Andréa e outros que estão se agregando a caravana da cor
prometem transformar Cajazeiras numa galeria pública, onde a arte seja o ângulo
de todas as esquinas, envolvendo na cidade o rastro de trinta painéis.
O Projeto “Pintar
Cajazeiras” está nas ruas. Após uma gestação de nove anos ele nasce a revelia
dos precários recursos e dos minguados apoios e estímulos. Sob a coordenação da
artista plástica Telma Cartaxo, através do Atelier Cajazeirense de Artes
Plásticas, ele tem o apoio do V Campus da Universidade Federal da Paraíba, da
Prefeitura Municipal de Cajazeiras, da Associação Universitária de Cajazeiras e
da comunidade. No entanto, são frágeis réstias que penetram pelas frestas da
porta entreaberta, que precisa ser escancarada para que o filho recém-nascido
receba a força vitalizadora do sol e não morra da inanição transmitida pelo vírus
da insensibilidade.
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Reportagem publicada no Jornal A União, dia 09/Set., de 1987, pág. 11 - Estadual
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