Poesia cajazeirense em dois tempos
Do Suplemento Especial-Cajazeiras, publicação do Jornal A União, dia 22 agosto de 83, Pág. 13
Há anos os estudantes vêm lutando dentro do
chamado campo cultural, para divulgar, descobrir e incentivar novos valores
artísticos culturais. Esse trabalho vem sendo feito através da música, do
teatro, do cinema, da poesia. Neste boletim, propomos-nos a falar um pouco sobre a poesia no nosso meio social, principalmente no meio estudantil.
Em 1973, os grupos de jovens GIMC e GRUJUCA,
promoveram o primeiro Festival de Poesias de Cajazeiras. Foi um posso
importante para unir pessoas interessadas na citada arte. Pena que no ano
seguinte ninguém teve a iniciativa de continuar o evento, e somente em 1975,
quando o coordenador do GIMC, José Irismar, um amante da poesia, assumiu a
presidência do Centro Cívico Olavo Bilac, é que renasceu a ideia de
continuidade dos Festivais de Poesia. Só que desta vez a participação foi
limitada apenas aos Estudantes do Colégio Estadual. Mas foi um grande marco. A
partir daí sentiu-se que a poesia em nosso meio não seguiu o ritmo tradicional,
mas tornou-se um instrumento de reflexão, despertar e de denúncia. A poesia
voltada para a realidade, preocupada em levar uma mensagem e uma visão
libertadora do homem.
Idêntica iniciativa tomou o presidente do
Centro Cívico Olavo Bilac, em 1976, José Alves Neto, quando realizou o segundo
festival interno de Poesia, com mais de 22 poesias concorrentes, só de alunos
do Colégio Estadual. Aplaudida a iniciativa, mas os estudantes dos demais
Colégios se queixavam de não poderem participar.
Visando dar vez aos estudantes dos demais
estabelecimentos de ensino de nossa cidade o presidente do Centro Cívico Olavo
Bilac, em 1977, Dirceu Marques Galvão levando em conta profunda avaliação dos
festivais passados, estendeu a promoção para todos os estudantes da cidade,
tanto dos Colégios como da Faculdade. Daí surgiu o título: III Festival
Estudantil de Poesia. Esta foi uma das promoções mais bem organizadas. Saiu-se
nas classes de todos de todos os Colégios e Faculdades e criou-se comissões de
organização. Em cada Colégio tinha uma comissão responsável pela divulgação,
pelo trabalho de inscrição etc. Foi realizado uma assembleia, no Círculo
Operário, com mais de oitenta estudantes presentes, para discutir a organização
do Festival e criar o regulamento, democraticamente. Foi um dos festivais mais
movimentados e que despertou em muita gente o interesse pela cultura, pela
poesia.Infelizmente, em 1978, ninguém teve a
iniciativa de dar continuidade aos Festivais de Poesia, e passou em branco.
Círculo Operário - Jurado de um dos Festivais Estudantis de Poesias
O
Cineclube Vladimir Carvalho fez uma
pesquisa a respeito
dos Festivais já realizados em Cajazeiras e aqui está um resume.
1º Festival
Regional de Poesia em Cajazeiras
Local: Colégio Diocesano
Data: setembro de 1973
Promoção: GIMC e GRUJUCA
Classificação
1º Lugar: “Comparando” de Teté Assis
2º Lugar: “História de um olhar” de Pereira de
Oliveira
3º Lugar: “Nem tudo ameaça ruir” de José
Irismar de Lira
Melhor intérprete: “Sertão, Amor e Sofrimento”
de Geraldo Ludugero
Festival
Estudantil Interno de Poesia
Local: Círculo Operário
Data: outubro de 1975
Promoção: Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio
Estadual de Cajazeiras
Gestão: José Irismar de Lira
Classificação
1º Lugar: “Versos Noturnos” de José Irismar de
Lira
2º Lugar: “Você” de Francisco Eudes Braga
3º Lugar: “Início do Fim” de Humberto Holanda
4º Lugar: “Quem é o Culpado” de Ivaldo Pereira
2º Festival
Estudantil Interno de Poesia
Local: Círculo Operário
Data: agosto de 1976
Promoção: Centro Cívico Olavo Bilac do Colégio
Estadual de Cajazeiras
Gestão: José Alves Neto
Jurados: Ubiratan Assis, Marcos Luiz, Francisco
Ferreira, Raimundo Holanda, Luiz Alves, Constantino Cartaxo e Antônio Tomê
Classificação
1º Lugar: “O Prisioneiro” de Gutemberg Cardoso
2º Lugar: “Contradição” de Nonato Guedes
3º Lugar: “Seis Horas” de José Filho
Melhor intérprete: Crizenith Assis
3º Festival
Estudantil de Poesia
Este foi o último Festival de poesia de nossa
cidade, com distribuição de folhetos, contendo todas as poesias concorrentes.
Apesar da ausência de Festivais, esse tipo de expressão artística continua vivo
dentro dos cajazeirenses. A chama continua acesa.
Local: Círculo Operário
Promoção: Colégios Estadual, Diocesano, Nossa
Senhora de Lourdes, Comercial, Hildebrando Leal, Escola Polivalente e a
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras.
Direção: Dirceu Marques Galvão
Classificação
1º Lugar: “” de Gutemberg Cardoso
2º Lugar: “Opressão” de Nonato Guedes
3º Lugar: “O Muro” de Dirceu Marques
Melhor intérprete: Leda Arlene e Regirlene
O
Presioneiro
Gutemberg Cardoso - 1º lugar no Festival de 1976
E o mundo corre, e a vida passa...
Eu, eu calado.
seja no canto, seja no campo,
Não me perguntem, estou privado.
De repente me senti culpado,
fui vítima, covarde e herói.
mas descobrir sofrendo e vivendo
que alguém de fome morrendo, em mim dói.
Burlei meu estômago, tapeei a realidade,
camuflei irônica alegria
na magia, cotidiano da dura verdade.
Deitei fome, sonhei liberdade e acordei prisão.
Deitei, porque estava fraco e apático.
Sonhei... E como era boa a liberdade.
Acordei, não! Acordaram-me...
De súbito, olhei e já estava de mãos juntas
injustamente, pois só tentei defender
um direito sagrado, que agora é salgado.
No convívio quadrado: conselho, ameaças,
tortura e opressão, e dizem eles:
pra sua recuperação.
Já marginalizado, a morte era o meu
último e maior desejo
E eu? magro, barbudo, olhos fundos
e já desfigurado.
Mas lá fora alguém esperava o cortejo
Novamente sonhei... e como era bom o livre
pensar,
o livre dizer...
Só que neste sonho eu não imaginei
que, sem fôlego, eu teria que despertar
pra novamente dormir e nunca mais acordar.
E partiu o herói que não temia partir.
E o povo chorou, que antes não conseguia rir.
No outro dia, ao romper da aurora da triste
manhã,
um pequeno garoto: roupas simples, pés
descalço,
um pacote de jornal à mão, corria de um lado
para outro
das ruas, com muita aflição:
Extra! Extra! Extra!
“Detento enforca-se misteriosamente na prisão...
Nó
Gutemberg Cardoso - 1º Lugar no Festival de 1977
Assim que nascemos,
na barriga levamos um nó da parteira Maria.
E se não morremos do primeiro,
de fome ou epidemia, e preciso coragem
e ser forte para suportar os nós das jornadas
que afligem os fracos.
Pedro da fábrica:
na madrugada, na marmita, na lotação e na hora
extra
boia tua fria e nua nesta vida neste nó.
José bem segurado:
na fila, na previdência, na doença,
geme curado pela assistência burocrática.
Que nó, que agonia.
Os estudantes:
no quadro no libro, no limite, no sete, na
taxa, e no sete.
Com vendas, sem boca, sem poli, sem tica com
nó.
As crianças:
na rua, na cola, no lixo, na gang, os
gira-mundos
são raquíticos
dos conflitos do pobre contra a pobreza.
Os poetas:
no pó, sol, no canto livre, estamos no sol,
sem corda, sem dó,
apeiado na altura e altura dos senhores sem dó.
Os vagabundos:
na procura, no concurso, na fila, com dez, sem
emprego,
mas se aperta o nó.
Chico do subúrbio:
no corpo, na cara, na cana, na lata,
no andaime, no biscate mergulho tragável
fugindo do nó.
João lavrador:
na terra, na cova inha,
na planta nua e a colheita é sempre assim.
na distância do roçado é cada vez mais pouco
meu bocado.
Todos:
nó no pescoço, na perna, nas mãos, nos olhos,
no nó e na consciência...
Você me desate esse nó!
Não pode... ah! Você também tem nó?
E você pode desatar este nó?
Não quer? Mas você também tem nó?
E você aí em cima, piedade, desate estes nós!
Não me escuta, não é?
Haverá um dia em que todos os nós farão um
novelo
e no romper do novo dia,
em agonia eu hei de vê-lo.
Contradição
Nonato Guedes
Ser ou não ser
Disse o célebre Shekespeare
Aflorando universo a dentre
A dúvida clássica
Da aflição existencial
Originalizou-se o dilema
Reflexo da questão
Questionada
Semeando a real capacidade
Da humanamente incorrigível
reação do ser
Ou se é ou não se é
Ditam os preceitos “constitucionais”
Da vida em comum
Rezam os direitos democráticos
Da existência
Ou se vive ou não se vive
E é aí onde reside
O preceito básico do condicionamento coletivo
Ou se apoia ou se contesta
E contestar não pode
Nem a “essência” da vida deixa
Mas impede
Ou se grita ou se cala
E se grita
Corre o risco
Da transgressão estupida
Das leis que regem o universo
E se cala
Também corre o risco
Do sufoco destruidor
Da própria ambição do homem
Metamorfoseando de amos
Ou desiste ou persiste
E se desiste é fraqueza
Sentimento desprezível
E se persiste
Se expõe ao risco
De ter que reconsiderar
Ou se vive ou não
E o certo em tudo, isso
E que nem se vive nem não
Mas se está pelaí
Pelo mundo... a vida...
Caminhando... parando... andando...
Pensando (?) e...
Não digo vivendo
Mas... sei lá!... estando.
Mordaça
Joab de Sousa Sales
A mão cega
Esculpiu a exploração
Na face (trágica) do dia
Cavou sepulturas no coração
Desenhou no rosto, o medo
Nos lábios, o silêncio.
Acorrentou o passo,
Amordaçou o verbo
Teceu a força das leis
E revogou todas as disposições em contrário
Ergue a força
A força...
Gerou filhos cegos e obedientes
E com olhos míopes, governou o caos.
Relíquias
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