quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Das bravatas de Arsênio ao telefone do Presidente

Mariana Moreira
Texto Publicado no Jornal A União, em 1986.


Depois de alguns meses de abstinência, resolvi assistir as sessões da Câmara Municipal de Cajazeiras. E que agradável surpresas encontrei na Casa de Otacílio Jurema, não apenas pela grande quantidade de suplentes que assumiram nas vagas deixada pelos titulares, afastados para tratamento de saúde, contaminados pelo estranho vírus identificado, ano passado, pelo cientista da Casa, vereador Arsênio Araruna, como “mordomia barata” (vocês se lembram, não?). 
Logo de cara me deparo com m amigo Zé da Crença, que, em passo rápido, subia de dois em dois degraus a escada que dá acesso ao plenário. Uma estranha surpresa que contraria as suas convicções, que sempre diz preferir a quietude de sua casa de tapa na beira do Riacho do Cipó, ao invés do movimentado, e as vezes, confuso universo da política. Me detenho um pouco com a deliberada intenção de ver qual será seu comportamento. Ele entra no plenário, senta na primeira fila e, quando o presidente em exercício da Casa começa os trabalhos, limpa olhos e ouvidos, e, atentamente, inicia um trabalho de observação apurada. 
Já conhecimento a fundo o destilado espírito irreverente do meu amigo, me aproximo e ele me cumprimenta com um leve gesto de cabeça. Estranho essa atitude numa pessoa que sempre fez verdadeiro a tarde ao encontrar uma pessoa amiga. Ele pretendendo minha reação cochicha em meu ouvido: “quero saber se esses cabra são bom de conversa” Compulsoriamente, também volto minha atenção para os discursos e lá vem mais surpresas entre discursos inúteis e palavras e palavras atiradas ao sabor de uma lua que, subindo no nascente, parecia dividir com meu amigo a assistência aquela espetáculo.
Mais eis que, de repente, em pleno pronunciamento do vereador José Alme, que condenava o comportamento arbitrário da Policia Militar, seu colega Arsênio Araruna pede um aparte e, em tom de herói grego, começa a narrar numa abjetividade que tomou toda o tempo do seu companheiro, a sua façanha de enfrentar, dias atrás um destacamento da PM que estava espancando um popular. Gesticulando fortemente e gritando, a pleno pulmões, que era “muito homem”, e que não temia “policia”. Arsênio provocou um raro sentimento em meu amigo, que se vira para mim, com seu olhar matreiro, e diz: “Mariana, se esse cabra tem nascido há uns 80 anos atrás, Lampião não tinha feito as diabruras que fez por essas banda. Veja só a valentina do homem. Parece mais um toro enfezado. Agora, pra ver se ele tem essa brabeza toda queria ver fugindo de uma vaca afobada e com bezerro novo dentro de um partido de jurema preta. Essa bravata eu queria ver ele contar”...
O presidente da sessão nos olha com um gesto repressor e meu amigo se recolhe a sua observação hinduana. Na tribuna Arsênio encerra a Narrativa de suas homéricas aventuras politicas, mais s assemelhando a Ferrabraz e duelo com  Diabo, quando é contra-apertado pelo colega Sinfrônio de Lima, que caiu na besteira de dizer que o boato corrente na cidade era o de que ele (Arsênio) não tinha dito uma só palavra ao ser abordado pela Polícia.
O relógio já caminhava para as nove horas. Agora, as sessões da câmara poderão se estender até a madrugada, com o fim da Novela Roque Santeiro, sua principal inimiga, para o bem do Legislativo e da comunidade cajazeirense. O telefone toca e o vereador Raimundo Júnior, que presidia os trabalhos da noite, o atende, num gesto de extrema delicadeza e cortesia para com os companheiros. De telefone colado no ouvido rlr ao mesmo tempo, conversa com quem está no outro lado da linha e cloca em votação os requerimentos encaminhados durante a sessão. Meu amigo Zé da Crença me cutuca mais uma vez e, com um tímido sorriso que mais revela malícia que divertimento, pergunta: “Mariana, você lembra aquela anedota do homem que pede a campainheira para prestar atenção no serviço. Pois bem, esse moço aí bem que merecia um lembrete desses”.
A sessão termina e saio para a rua com meu amigo, estranhando o fato dele ter arribado da paz do sei lar para vir assisti a uma sessão da Câmara. Quando tentei obter uma resposta para isso ele já tinha desaparecido. Volto para casa e, no caminho, reviso todos os acontecimentos da noite na Casa de Otacílio Jurema e encontro a resposta para a curiosidade do meu amigo.




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