O
Engenho
Francisco Alexandre Gomes
Na antiga Rua do Gato Preto, hoje Rua Treze de
Maio, ficava o primeiro cabaré de Cajazeiras. Nele havia apenas duas casas,
sendo uma de D. Inocência e a outra de Chica do dente de ouro. Apenas cinco ou
seis mulheres moravam ali e, entre todas, a de melhor visual era a Chica dente
de ouro. Era ela também a mais afamada e disputada pelos homens.
Chica tinha mais ou menos uns trinta e cinco
anos. Era uma mulata de pele lisa, olhos negros, corpo bem feito e um traseiro
arrebitado que chamava a atenção dos frequentadores de sua casa. Ria
constantemente e parecia que para ela no mundo não havia tristeza. Gostava
muito do seu trabalho e fazia questão de satisfazer aos fregueses mais
exigentes.
O “Capitão” não era homem de viver frequentando
cabaré, mas D Honorina, sua mulher, estava comendo galinha. Havia lhe dado mais
um filho e ele depois de 18 dias de jejum não aguentava mais. Por isso, naquele
dia procurou a pensão de Chica dente de ouro. Lá foi muito bem recebido e ficou
sentado a uma mesa tomando cerveja fria no pé do pote. A mulher não regava
elogios ao “Capitão”. Sabia ela que ele era homem de dinheiro e, na certa, um
bom partido.
As horas iam correndo. O “Capitão” já havia
tomado algumas cervejas em companhia da dona do cabaré e seu sangue lhe fervia
nas veias quando a rapariga o convidou para o quarto, com estas palavras: “Vamos
capitão que eu quero ensinar o engenho”.
Ambos se dirigiram ao quarto que não tinha nenhum conforto e até a cama
era de madeira coberta com um couro de boi e, sobre o mesmo, um ou dois panos
encardidos.
O “Capitão” estava um pouco desconfiado daquela
história de engenho na cama. Antes ele nunca ouvira alguém falar nisso, mas
deixou tudo por conta da mulher que, na verdade, era uma excelente professora
em matéria de sexo. E ficou mais desconfiado ainda quando Chica dente de ouro
lhe explicou que no engenho ele seria a moenda de baixo e ela a de cima. Mas
tudo bem. Esperou com calma e resolveu ser apenas um bom aluno.
O melhor de tudo foi quando depois de tudo
haver terminado a mulher olhando com os olhos arregalados o palmo de fese que
havia em cima da cama, exclamou: “Que é isso Capitão, em cima da minha cama? ”
E ele respondeu com um repente digno de nota “Cri Jisus, sinhá Chica, isto qui
voimicê tá veno aí é o bagaço da cana qui o ingem mueu”.
Diante destas palavras a mulher fechou a cara e
nada mais disse. O “Capitão” mais do que satisfeito pagou a conta e deixou o
cabaré da dente de ouro. Havia gostado da lição.
Você
também vem do Mossoró
Francisco Alexandre Gomes
Já afirmei mais de uma vez, em comentários
anteriores, que além de açougueiro e fazendeiro, o “Capitão” era também
tropeiro e vivia levando mercadorias de Cajazeiras, Sousa e Antenor Navarro
para vende-las em Mossoró, no Rio Grande do Norte. De lá vinha carregado de
sal, e essas viagens, às vezes, duravam mais de um mês.
Exatamente, um mês depois de casado, o “Capitão”
teve que viajar para Mossoró, pois o comércio de Cajazeiras, de Sousa e Antenor
Navarro estava com o estoque de sal muito pequeno. Não havia outra saída, o negócio
era mesmo fazer essa viagem. Não estava gostando nada dessa ideia de deixar a
mulher em casa e sair por esse meio de mundo afora. Estava em lua de mel e
havia até se desligado do comércio por aqueles dias. Mas não podia perder a
freguesia e gostava muito e ganhar dinheiro. Como não havia outra saída resolveu
uma madrugada fazer a viagem ao Rio Grande do Norte.
Na manhã daquele dia, amou a mulher mais de uma
vez e dela se despediu com o coração já cheio de saudades da esposa querida
Dona Honorina que também estava muito apaixonada não evitou que as lágrimas lhe
rolassem pelo rosto. Na verdade, foi uma manhã triste tanto para Dona Honorina
como para o “Capitão”. Na despedida do “Capitão” prometeu a esposa que viajaria
dia e noite mais abreviaria o tempo da viagem. Dito e feito pois o homem quase estanca
os animais nessa viagem ao Mossoró. E, chagando ao Mossoró, sem perca de tempo,
carregou os animais e seguiu o caminho de volta. Não perdia tempo durante a
viagem, isto é, não se demorava nas casas de fazenda pelo caminho como
costumava fazer. Queria era chagar a casa e ficar ao lado da esposa fazendo
aquele gostoso ritual do amor entre os jovens casais apaixonados. Durante a
viagem, Honorina não lhe saía do pensamento um só instante. Quando dormia com
ele estava a sonhar.
A viagem durou, mais ou menos, um mês e dez
dias, ida e volta, e foi numa tarde, já ao crepúsculo, que o “Capitão” chagou a
casa. Vinha muito cansado apesar de ser jovem e de possuir um vigor físico admirável.
Chegando, quase não deu tempo de tirar a carga dos burros foi logo ao encontro
da esposa que com lágrimas nos olhos o recebeu de braços abertos. Houve, na
oportunidade, muitos beijos e abraços, coisa rara naquele tempo, mesmo entre os
casais, e o “Capitão” que havia ficado todo aquele tempo longe da mulher e sem
o amor físico não esperou mais um só segundo e ali mesmo no pé do fogão de
lenha, na cozinha procurou matar toda a fome de sexo que sentia, já que estavam
a sós em casa.
Ainda não haviam terminado a primeira batalha
quando um galo entrou de cozinha a dentro atrás de uma galinha e junto ao “Capitão”
e Dona Honorina o mesmo a cobriu. O “Capitão” que naquela época já era
repentista exclamou: “Cris Jisus, meu fio! Vosmicê também vem do Mossoró? ”
A
Morte de Menininho
Francisco Alexandre Gomes
Era uma encantadora manhã de inverno. Os pássaros
orquestravam uma maravilhosa sinfonia que enchia os olhos de uma suavidade
singular. O mato verde exalava um cheiro agradável, e a terra fecunda abria o
ventre à germinação da vida. Um vento frio e rasteiro encenava um bailado
esplendido nos ramos das árvores e no capinzal do baixio. As serras cobertas de
neve cachimbavam anunciando mais chuvas naquele dia. O sol, rei astral e
imperador dos sidéreos, surgia manhoso por trás dos montes, enquanto os homens
de enxadas na mão lutavam bravamente entre contra o mato que, em muitos lugares,
já asfixiava a legumada.
Tudo era vida, alegria, beleza e cores naquela
manhã. Só o “Capitão” não estava satisfeito. Amanhecera mal-humorado. A noite
toda pensou no péssimo negócio que havia feito com o velho Tonho. O desgraçado
do velho o havia enganado. Vinha há seis meses esperando o resultado de sua
compra e até aquele dia nada havia acontecido. Estava com as vacas todas na
estaca zero. Nenhuma havia tomado cria. Desta forma, o ano iria ser perdido
para ele, pois não iria acrescentar nenhuma cabeça ao seu rebanho. O ano já
estava perdido e tudo por causa do miserável do velho Tonho que o tinha
enganado como a uma criança. É certo que o touro era de raça boa e enganaria a
qualquer um como ele foi enganado. Que péssimo negócio. Seis meses e nenhuma
vaca prenha no pasto ou no curral.
Tinha que tomar uma resolução. Venderia o
menininho para o açougue, mas o diabo era que os marchantes só o comprariam na
graça e na graça ele não o venderia para ninguém. O menininho havia lhe custado
um bom dinheiro e por isso preferia mata-lo e dá sua carne aos vizinhos ou aos
urubus do que dá-lo de graça a açougueiro. Estava com muita raiva do touro.
Seis meses e nenhuma vaca esperando bezerro. Diabo de touro mais mole! O que
estaria acontecendo com aquele bicho? Ele não era velho. O “Capitão” não
compreendia a indiferença do animal para com as vacas.
Chateado o “Capitão” pegou o bacamarte,
carregou-o, e se dirigiu ao curral que ficava perto da casa da fazenda. José,
seu filho, vendo que o “Capitão” estava com muita raiva do animal e imaginando o
que se passava na mente do pai, o acompanhou ao curral sem dizer palavra
alguma. No meio do curral o “Capitão” parou. Olhou o animal com muita raiva. O
touro era belo animal, coisa de muitas arroubas. O “Capitão” estava decidido
mesmo e quando ia levando a arma a posição de atirar o filho lha perguntou: “Papai,
o senhor vai mesmo matá-io?” Ao que o “Capitão” lhe respondeu: “Cri Jisus, meu
fio! Vou sim, voimicê num tá veno qui eu num vou fica cum bicho desse no meu
currá, um bicho qui num sabe fazê outa coisa a num sê chará e lambê!”. Dizendo
issto levou a arma a pontaria e abateu o belo animal porque o mesmo não era de
nada.
O
velório da mulher do cego
Francisco Alexandre Gomes
O “Capitão” era muito amigo do cego Joaquim
Luiz. Mui amigo, como diria o Jô Soares. Tanto era assim que todas as vezes que
ele viajava para Mossoró pernoitava na casa do cego, e diziam as más línguas
que quando Joaquim Luiz adormecia o “Capitão” fazia travesseiro dos braços de
Sofia, sua mulher. Mas se isso era verdade, o cego nunca desconfiou de nada ou
nada a respeito do assunto alguém chagou a lhe contar. O certo é que com
traição ou sem traição o cego gostava muito do “Capitão” enquanto este não sei
dizer com absoluta certeza de que gostava mais se de Sofia ou de Joaquim Luiz.
A família do cego era muito resumida e se constituía
apenas dele, de Sofia e da velha Liberata, uma preta de quase oitenta anos, que
fora escrava do pai de Joaquim Luiz. Apesar da idade, essa preta velha era quem
ajudava Sofia nos afazeres da casa e a cuidar dos animais que eles criavam
especialmente de algumas cabeças de gado que o cego ainda tinha no campo e no
curral.
Sofia era uma mulata bem-feita de corpo, de
rosto simpático e muito ativa, apesar de ter problemas cardíacos desde muito
jovem. Não tinha medo de trabalho algum e só se encostava por um dia ou dois
quando vinha aquela falta de ar que a asfixiava tanto e a dor aguda no peito.
Passada a crise era a mesma mulher de sempre, corajosa e dinâmica.
Numa terça-feira, já ao crepúsculo o “Capitão”
tomava chegada à casa de Joaquim Luiz e ao se aproximar da residência ouviu
alguém chorando. Chegando à casa do cego foi logo desmontado do animal e
procurando saber o que realmente havia acontecido. Mas logo na porta da casa
encontrou a preta velha banhada em lágrimas, e ela a ele foi logo dizendo que patroa
havia falecido. Sofia havia há pouco deixado o mundo os mortais. Entrando na residência
o “Capitão” sentiu o coração bater forte ao ver Sofia sem vida deitada numa
cama de couro no meio da sala e tendo ao lado o esposo que desesperado
lamentava sua morte em alta vez.
Durante toda a noite, o “Capitão” ficou com
Joaquim Luiz e Liberata velando a morta. O cego não deixava o cadáver um só
instante e não parava de chorar e lamentar a perca da esposa. Não adiantavam os
conselhos da preta velha nem do “Capitão”, o cago estava desesperado. Não saía
de perto da defunta e com a mão sobre o sexo sem vida da mesma repetia, constantemente,
estas palavras: “Ah! lugá, lugá, lugá”. Isso durante toda a noite. A mão sobre
o sexo sem vida e a repetição: “Ah! lugá, lugá, lugá”.
No dia seguinte, logo cede algumas pessoas
foram chegando para o enterro de Sofia, e o cego continuava lá, junto do
cadáver, a mão sobre o sexo morto da mulher e a mesma cantinela: “Ah! lugá,
lugá, lugá”. O “Capitão” já estava aporrinhado com aquela cantinela e com a
falta de pudor do cego. De repente, chagando-se a este, e colocando a mão sobre
o ombro do mesmo disse: “Cri Jisus, meu cumpade! Tenha calma. A cumada morreu
mais voimicê pode fica sussegado qui eu vou cavá outa muié pra voimicê”.
Ouvindo isto, o cego levantou-se e exclamou: Eu sei qui voimicê, “Captão” pode
fazê isso, mas nunca me arranjá outa muié cuma essa qui Deus levou agora”.
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