A necessidade faz o ladrão
Francisco
Alexandre Gomes
Corria o
ano de 1877. Uma terrível seca assolava o Nordeste. E se nos dias hodiernos uma
seca é um temível flagelo, imaginemos no século passado, quando quase não
existiam estradas e as cidades não passavam de pequenos povoados. Tudo era
difícil ou mesmo impossível. Nas cidades ou póvoas, não havia movimentação
senão nos dias de feira e, mesmo nesses dias em tempo de penúria, pouca gente
se deslocava para as vilas.
Justamente,
naquele ano, Dona Honorina, a mulher do “Capitão”, ficou gestante, e, talvez
para confirmar o provérbio: “quem é gerado em tempo ruim pede comida antes de
nascer”, teve um desejo que era mais uma obsessão. Acordou, naquela manhã,
antes da hora do costume e disse ao marido eu queria come tipa de boi com
feijão. A princípio o marido não deu muita importância, mas a mulher insistia:
queria comer tripa e bch de boi com feijão. Tantas eram as atormentações da
mulher que o “Capitão” resolveu atende-la. Selou o cavalo e foi até a cidade de
São João do Rio do Peixe.
Na
cidade, quase não havia movimentação, apesar de ser domingo, dia de feira e de
missa. E chagando a São João, o “Capitão” dirigiu-se logo ao açougue com a
resolução firme d atender a vontade da patroa. Mas que desilusão teve ela. No
açougue não havia um só pedaço de tripa de boi. Estava perdido, e a mulher ia
mesmo perder a criança. Que desgraça! Nada podia fazer.
Desiludido,
o “Capitão” pegou a montaria e saiu trotando por uma rua quase deserta. Santo
milagre! Pois não é que nos fundos de um quintal estava secando ou sol um varal
de tripa e bucho de boi!...
O “Capitão”
nunca fora ladrão, nunca roubara nada de ninguém mas estava em jogo a vida do
filho que ia nascer. Resoluto, ele sem ter que desmontar foi até o varal e
encheu uma pequena bolsa de palha de carnaúba com as vísceras. Como era domingo
e havia missa o “Capitão” amarou o cavalo num pé de árvore e entrou na igreja. Não
sabia ele o que iria lhe acontecer. Deu-se que um molecote vira quando o “Capitão”
tirava a mercadoria alheia e fora dizer ao dono da mesma, que era o vigário.
Inocentemente,
o “Capitão” entrara na igreja, com a bolsa de lado, indo procurar assento já
próximo do altar. Para surpresa do nosso herói, durante a homilia, o padre
começo a falar de quem rouba, dizendo que roubar é um pecado grave e, num
arrojo grandíloquo, afirmou: “Há pessoas neste mundo que são capazes de roubar
até um naco de tripa que se põe ao sol para secar”. Dito isto o “Capitão”,
homem de sangue no olho, valente como era, pegou a bolça e num ímpeto de raiva
jogou-se aos pés do sacerdote espalhando tripa e bucho de boi para todo lado, chamando
a atenção de todos os presentes. Em seguida gritou alto: “Cri Jess, seu pade,
eu num sô ladrão não. Eu tirei essa poicaria pru caso de muié que tá de barriga
e desejou cumê essas coisas, mais voimicê pode ir come isso no inferno que se
meu tive de nascê ele nasce”. Depois desse discurso, retirou-se o “Capitão” da
igreja, sendo acompanhado pelo sacristão que lhe devolvia a bolça com as
tripas. O padre queria evitar um aborto depois que soube da verdade.
Um banho
com água fervendo.
Francisco
Alexandre Gomes
Sei que
quem promete deve, e eu não gosta de dever nada a ninguém. No comentário
anterior a este, havia eu prometido que continuaria a transformar as aventuras
do “Capitão Brechó” em crônicas. Aqui está mais uma história.
Morava
perto da fazenda do “Capitão” um sujeito que tinha a feia mania de ficar
escondido dentro do mato, olhando as mulheres no banho de açude ou atrás das
casas a noite para ver quando uma mulher saía para fazer alguma necessidade
fisiológica, pois mesmo nas casas de fazenda naquela época não havia sanitário.
E todas as mulheres da redondeza sofriam por causa das perseguições do tal
maníaco sexual. Mas elas tinham medo de contar aos maridos, pais ou irmãos com
receio de uma vingança por parte desse elemento, que era um sujeito metido a
valentão.
Certa
noite, as filhas do “Capitão” saíram para botar comida aos porcos e atender as
suas necessidades fisiológicas ali mesmo perto do terreiro. Quando voltavam
para a cozinha, viram que havia alguém dentro de uma ruma de estacas que estavam
amontoadas perto da casa. Não gritaram. Fizeram que não tinha visto o tal
sujeito entre as estacas, mas contaram para o pai que estava a pitar o seu
cigarro de palha n alpendre. O “Capitão” tomando conhecimento do fato ordenou
as filhas que botassem o grande caldeirão no fogo e ficassem na cozinha dizendo
que ainda iriam botar mais comida aos porcos que a que tinha levado havia sido
pouca.
Assim
foi feito. As meninas obedeciam cegamente ao pai e ninguém era doida em contrariá-lo.
Quando a água estava fervendo o “Capitão” tomou nas mãos o grande caldeirão e
colocando-se em fila no meio das moças saiu com elas para o terreiro. Uma ia à
frente com um candeeiro na cabeça, o pai no meio da fila. Chegando perto do
amontoado de estacas o “Capitão” jogou de uma só vez toda a água fervendo onde
estava o elemento escondido, na esperança de ver um tornozelo o coisa mais. O
sujeito recebendo o banho quente saiu em disparada gritando como um louco.
Dias
depois, chagando à casa do “Capitão” seu velho amigo e compadre Manuel Firmino.
Entre uma conversa e outra o amigo lhe contou que José de Louro estava prostrado
dentro de uma rede e seu corpo era uma ferida só. O homem estava caindo aos
pedaços e podre em vida. O “Capitão” olhando fixamente para o compadre
persignou-se e disse: “Cri Jisus, meu cumpade, é uma doença horrive que tá dano
no povo pras bandas da Capitá e que tira o coiro da pessoa cuma água freveno”.
Cleudimar Ferreira
Esse era meu pai. Faleceu em 2017. Francisco Alexandre Gomes, cajazeirense que se orgulhava de sua terra.
ResponderExcluirTrabalhei com seu pai na Câmara Municipal de Cajazeiras. Aprendi muito com ele, pois antes de trabalhar com ele na Câmara de Cajazeiras, tinha sido aluno dele no Colégio Comercial. Fiz uma pesquisa no Jornal "A União" sobre os artigos publicados por Alexandre; tenho todos digitalizados seria bom que você publicasse um livro.
ResponderExcluir