Os Anos de Chumbo em minha memória (I)
Pepé Pires Ferreira
Nos
tempos anteriores e no começo do que hoje conhecemos como o período militar, e
naquele tempo conhecíamos como A REVOLUÇÃO DE 31 DE MARÇO, eu era um menino, e
quase tudo que vou relatar são historias ouvidas e vividas amigos e familiares,
além de em alguns casos, de relatos das pessoas que “sentiram na pele” o
tratamento a que foram submetidos, então o que passo a descrever, não carece de
exatidão histórica. Mas como inclusive já fui cobrado e minha saúde não está lá
essas Brastemp’s, vou tentar fazer esse texto de o que vi e vivi, dentro do
restrito ambiente que uma criança de dez anos ou menos se lembra. Com as vênias
e escusas de quem busca apenas na memória e dentro da sociedade pequeno
burguesa em que sempre estive e até agora faço parte dela.
O
primeiro fato que eu me lembro foi que eu gostava muito de ouvir um disquinho
impresso numa folha de papel, diferentemente daqueles acetatos pretos daquele
tempo, que sobrou da campanha da Jânio Quadros tinham uns versos que muito me
gravaram na memória: “Jânio vem aí/ não demora não/ Jânio vem aí? Com a
vassoura na mão…”, que eu à época achava que Jânio, o ídolo de meus pais
udenistas, iria varrer fisicamente o Brasil – Hoje se sabe que era porque se
dizia que sobre Juscelino pairavam suspeitas de corrupção, e hoje e JK é quase
divinizado, e essa corrupção deveria ser um átimo, se comparado ao que hoje
vemos cotidianamente, pois Brasília, sua obra-prima foi executada, a
transposição do São Francisco, e ferrovia Norte Sul, se gasta e nunca terminam.
Minha avó D. Ceci Brocos, tinha na cristaleira de sua casa um adesivo de “JK
65”, indicando seu apoio àquela candidatura que os militares abortaram. O
restante, a renúncia, o negócio de João Goulart assumir, o Comício da Central,
somente vim a saber muito depois, já adulto.
Isso
tudo visto pelos olhos de uma criança e somente hoje tenho a noção. Minha mãe
foi fazer um tratamento no Rio de Janeiro (perdeu um rim), e nos levou para o
apartamento da minha avó, e aí eu tive no fim da infância, começo de
adolescência a oportunidade de assistir ao vivo, ou na TV, que por aqui ainda
não chegava, o movimento de 68, o assassinato do estudante Edson Luiz, as
passeatas da Av. Rio Branco, e o AI 5, no teatro onde se desenrolaram os
principais fatos daqueles tempos, estava, meio sem saber, no olho do furacão de
um dos períodos mais ricos e famosos de nossa história.
Minha
mãe era aluna da Escola Nacional de Teatro, e uma coisa que me lembro foi que
um dos seus colegas desapareceu e depois de bem um mês, tornou a escola e disse
que todo mundo se cuidasse, que durante uma passeata tinha sido filmado, e pego
pelos Órgãos de Segurança, foi torturado e entregou deus e o mundo: segundo
esse colega de minha mãe, ele disse : “O que eles pediram para dizer, eu
disse”, mas como não houveram prisões posteriores, os torturadores não devem
ter acreditado muito nessa confissão.
Já
por aqui, temos o caso de nosso amigo Saul Pessoa (nosso psicólogo), que foi
torturado em João Pessoa, obrigado ficar de pé em latas de leite em pó abertas
(com a Chycungunya que estou a passar, faço ideia do quanto foi doloroso), mas
deixo para o próprio Saul dar a sua versão desse fato, como também de duas
irmãs, nossas conhecidas que moravam na capital João Pessoa, Eridan e Mazinha,
que a primeira está desaparecida, e a segunda sofreu horrores, segundo nos
relatou, mas essa não a vejo há anos.
Teve
o caso de Chico Coréia, de Sousa, que teve que fugir e se formou em Portugal
(ele fazia parte do Diretório estudantil), e mesmo com a influência de seu pai,
Luiz de Oliveira, um dos maiores usineiros de Sousa, teve de fugir do país.
Mais
tarde, no secundário, quando fui morar em Recife, um dos maiores amigos de
Cajazeiras que lá moravam era Custódio Amorim, que tocava violão desde os
tempos dos passeios nos sítios que fazíamos nos fins de semana, era em 1973,
secretário de D. Helder, e depois da festa do batizado de seu filho (Pablo –
homenagem a Pablo Neruda), foi preso, e ao contatarmos com a Pastoral (eu
sempre a reboque dos mais velhos, minha mãe, Zélio, Toinho, irmão de Carlos
Alberto ex-secretário (nosso Luluzinha), Luiz Humberto), recebemos a noticia
que seria mais conveniente que quem fosse procurar fossemos nós conterrâneos,
já que se aparecesse alguém ligado ao movimento de D. Helder, seria preso
também. Somente sua esposa foi recebida no IV Exército e o militar ao saber que
ele estava desaparecido disse para sua esposa anunciar no Programa da TV
pernambucana Jorge Chau, que podia ele ser encontrado. Mais de seis meses
depois, Custódio apareceu, e parecia outra pessoa, de tanto que sofreu, e a
gente não podia nem ficar comentando, tal o perigo a que estávamos expostos,
até por tabela. Também depois teve o caso Edval Nunes, o Cajá, mas deixo para o
próprio relatar sua versão, mas o jogo era pra valer: podia ser, como foi,
traumatizante...
Eram
tempos obscuros, devem ser registrados, e continuo na próxima semana se não for
preso (ironicamente isso virou para mim uma espécie de bicho-papão).
Ainda
hoje, mais de trinta anos depois ainda tenho receio.
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