domingo, 17 de julho de 2016




Anos de chumbo:
juventude em luta na terra do Padre Rolim (III)

Luiz Alves


Edival Nunes tinha muitas histórias pra contar do mundo do qual vivíamos isolados, especialmente quem, como eu, saindo em férias do Seminário, ia para a zona rural de São José de Caiana, onde meu pai sequer possuía um aparelho de rádio.  Ele passara o ano de 1967 morando e estudando em Cajazeiras, cidade antenada, e aí vivera um turbilhão de acontecimentos: o cinema, o teatro, a beatlemania, a jovem guarda, e o Movimento Estudantil. Eu tinha as histórias internas e lhe falei do “enforcamento” a que fora submetido, episódio que me havia marcado muito, especialmente por ter sido protagonizado por um padre e professor.

Com um breve sorriso, ele me falou que certamente não havia sido uma mera brincadeira; que Gervásio era um dos poucos padres progressistas da Diocese e havia feito uma manifestação simbólica contra a ditadura militar. Apesar de falarem “presidente Castello”, este era, de fato, um ditador imposto pelo golpe de estado de 1964, cuja finalidade foi impedir as reformas de base propostas pelo governo de João Goulart. As reformas agrária, urbana, educacional e bancária feriam interesses dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros. Esse fora o motivo da deposição de Goulart, e não o combate ao comunismo. A própria Igreja Católica se iludira com essa bandeira, mas, agora, já estava começando a mudar.

Exatamente na época da “brincadeira”, final de outubro de 1965, Castello Branco baixara o AI-2 (Ato Institucional número 2). Este Ato extinguiu os partidos políticos, permitindo a existência de apenas dois: A Arena, para ser o partido da situação, e o MDB, partido de oposição consentida, para simular que havia democracia. O presidente (ditador) poderia decretar estado de sítio, intervir nos estados e municípios por um período de 180 dias, sem aviso prévio ao Congresso, que também poderia ser fechado por decreto do general de plantão.  Estabelecia eleições indiretas para a Presidência (e vice-presidência) da República. Embora ainda não compreendesse direito tudo isso, fiquei mais satisfeito: sendo verdadeira essa interpretação, padre Gervásio não havia me usado para uma troça gratuita, mas para um ato sério, embora não pudesse deixar claro seu objetivo.



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