Luiz Alves
Desculpem a falha cometida em “Anos de
Chumbo (I) ”. Na verdade, o amigo Edival Nunes ingressou no Seminário em 1968 e
não no ano seguinte ao protesto simbólico do padre Gervásio. Em 1967, o Edival
estudava na Escola Pedro Américo. Mês de agosto, início da segunda quinzena,
passa na escola o líder estudantil Adalmir Coelho, um jovem dos seus 20 anos,
convocando para uma manifestação no dia da emancipação da cidade, 22 de agosto.
Adalmir dizia que os bajuladores do
imperialismo estavam insultando a consciência dos jovens. Explicou que era uma
tradição, no dia da emancipação da cidade, os grêmios fazerem manifestações com
protestos contra a ditadura e o imperialismo, além de apresentarem
reivindicações. Nesse ano, os bajuladores dos Estados Unidos iriam desfilar e
coroar a rainha da Cruzada ABC, uma campanha de alfabetização orientada pelos
Estados Unidos da América do Norte (EUA). Era parte da Aliança para o
Progresso1
Ele afirmou que os Estados Unidos viviam sugando as riquezas do
Brasil e agora queriam se passar por bonzinhos. Disse que um acordo de educação
estava sendo negociado entre os governos do Brasil e EUA (MEC/USAID); era um
absurdo, e se fosse firmado, o ensino passaria a ser pago e só os ricos teriam
acesso à educação, especialmente em nível superior. Então, a manifestação do
dia 22 de agosto seria para se contrapor a isso. A Aliança para o Progresso,
explicou, era uma farsa para fazer lavagem cerebral, mediante a distribuição de
comida de péssima qualidade para o povo, apodrecida, cheia de gorgulho.
Dia 22, pela manhã, cerca de cem
estudantes estavam reunidos para o Ato, junto a mil pessoas que esperavam o
desfile passar na Praça Coração de Jesus. Os garotos estavam sem farda da
escola, a pedido das direções, que não queriam comprometer seus
estabelecimentos de ensino. Foram orientados na hora por Adalmir. Quando
ouvissem um apito, partiriam para o ataque. Invadiram o carro alegórico da
rainha da Cruzada ABC. Era uma bela jovem, filha de um comerciante conhecido.
Tomaram a bandeira dos Estados Unidos e da Aliança para o Progresso e as
queimaram. Adalmir fez um rápido discurso. Quando alguns estudantes arrancaram a
faixa da rainha, a roupa veio junto e ela ficou somente com as peças íntimas.
Foi um escândalo. A ação foi rápida, durou uns dez minutos.
Quando o Tiro de Guerra chegou, já
haviam alcançado o objetivo. Houve grande repercussão na cidade inteira.
Travou-se uma luta corporal entre os estudantes e uns 30 ou 40 soldados
comandados pelo sargento Barbosa. Alguns
ficaram feridos, mas nada grave, e cerca de dez manifestantes foram presos e
levados para a Delegacia de Polícia. Era meio dia.
Foram soltos pelas 22 horas, graças à
interferência do monsenhor Vicente Freitas, diretor do Colégio Comercial, e de
João Bosco Barreto, que terminara o curso de Direito em Recife, onde fora
presidente do DCE da Universidade Católica (UNICAP) e estava começando a
exercer a profissão de advogado e a carreira política em Cajazeiras.
No dia seguinte, os comentários nas
emissoras de rádio eram todos contrários aos estudantes, pelo ato agressivo,
afetando a honra de uma moça da sociedade (só que ninguém tocara nela; apenas
ficou desnudada, por acidente, pois a intenção era somente retirar a faixa).
Nenhum comentário a respeito do conteúdo do protesto.
Adalmir não estava entre os presos;
passou um tempo foragido, procurado como incitador da “ação subversiva”. Sem o
principal líder, o Movimento Estudantil refluiu e Cajazeiras não participou das
grandes mobilizações juvenis de 1968. A atuação da esquerda no Movimento Estudantil seria retomada por nós no inicio da década de 70, sob a sombra do AI-5 e a espada do Decreto 477. Era "Ditadura Escancarada".
1 A Aliança para o Progresso foi um
programa criado em 1961 pelo Governo dos Estados Unidos, durante a presidência
de John Kennedy, para “ajudar” a América Latina. De fato, uma cartada visando a
amenizar as condições de vida e atrair a simpatia dos povos do Continente para
os Estados Unidos, a fim de evitar revoluções como a cubana em 1959, que aliara
o país à União Soviética (URSS).
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