sexta-feira, 27 de maio de 2016

GUERREIRO MAMBEMBE

Artigo escrito pela Jornalista Mariana Moreira e publicado no jornal "A União do dia 24 de novembro de 1985, Página 12 - Municípios.


Seu Otrope - Um dos primeiros exibidores
mambembe de Cajazeiras

Mariana Moreira

Rolos de filmes nas mãos e sonhos tantos que alimentavam cabeças de milhares de crianças e adolescentes embevecidos como os golpes de Karatê e a agilidade dos danatrãos bandidos e mocinhos do velho oeste americano. Todos eram Kung fu e Búfalo Bill naquele mundo mambembe que povoavam as nobres salas de cinema de São Gonçalo e Ipaumirim. Finais de semanas iluminados pela azulada luz de projetores e legendas parcialmente lidas por bocas semianalfabetas.

Este o universo do seu Otrope. De sobrenome: Cinema, como cinema foi também sua vida, iniciada no antigo Cine Moderno de João Bichara, onde aprendeu a técnica de manusear os projetores. Sua oficina era a própria cozinha de sua casa, assistido apenas por dois gatos de olhos espertos. Ali ele selecionava os filmes a serem exibidos, confeccionavam os cartazes e fazia os bancos da bilheteria, cada vez mais deficitária nesses tempos de Globo e Roque Santeiro; ladrões da capacidade do sonhar.

Conheci mais recentemente o seu Otrope, em matéria que fiz para A União no início deste ano. A vitalidade com que aquele velho de 60 anos me falava de cinema e de sua paixão pelos projetores e pelas abandonadas salas de exibição espalhadas pelas poeirentas cidadezinhas sertanejas era emocionante. Cinema cujo único conforto eram toscos bancos de madeira.



Como emocionante foi sua constatação de que a televisão estava engolindo o cinema. A tristeza que vi naqueles olhos, já cansados da aventura quixotesca de guerrear contra moinhos de ventos montados pela Rede Globo e toda estrutura de comunicação de massa, que patroniza o homem, limitando o raio de criatividade e sonhos. Para seu Otrope as nossas crianças estavam sendo furtada de sua potencialidade de reinventar o mundo a partir dos dramas cinematográficos exibido nas pobres, sujas e rotas telas.

Hoje, novos heróis da informática substituem a espada e revolver pelo raio laser. Cavalos e carruagens foram tragados pelas naves espaciais pelos veículos portentosos. Na velha torre do castelo não mais está a linda princesa atormentada pelo dragão, esperando a salvação de um Príncipe Valente. Sinhozinho Malta e Viúva Porcina são os novos efêmeros heróis nacionais, dividindo com He-Men as glórias e preferências.

E coração do guerreiro parou. Na tela apenas os créditos em preto e branco. O sonho termina e vira-se uma página bonita que não mais será reeditada. Quantos cresceram no alimento de suas limitadas telas. Hoje o velho projetor de seu Otrope está silencioso. A luz apagou-se e o único brilho azulado são televisores em nossas salas de estar. O nosso mambembe menestrel fechou os olhos para nossos sonhos. Enterrados estão todos eles, como Chaplin, Hitckcock, Wells.




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