segunda-feira, 16 de maio de 2016

CENAS INDELÉVEIS Nº 142



"Fundação de Cajazeiras". Óleo sob tela. 1964. autor Waldemar José Solha 

A Fundação de Cajazeiras
Waldemar José Solha


O autor - Waldemar José Solha
Outubro de 64. Trabalhando na agência do BB de Pombal, li, no jornal “A União”, que Campina Grande estava completando seu centenário, com o que me lembrei das festas do tricentenário de Sorocaba, ocorridas 10 anos antes, inclusive com apresentação de um quadro sobre sua fundação, que figurava nas capas de todos os cadernos escolares. O amigo Dr. Queiroguinha, pombalense radicado em Campina, me disse que a cidade não tinha nada no gênero. Pesquisei, então a História da “Rainha da Borborema”, pintei um quadro usando colegas por modelos (Zé Bezerra, o escritor, que era caixa da agência, eu o fiz como um índio de baú na cabeça), e vendi a obra à Prefeitura de lá, através do próprio amigo médico. De imediato soube que Cajazeiras – que completara 100 anos de município no ano anterior – também não tinha sua “Fundação”. Sem livros disponíveis pra me inteirar de suas origens, fui lá e conversei muito com um intelectual de sobrenome Cartaxo – que era a cara de Einstein. Ele me levou ao açude onde tudo começara, falou do fundador – Rolim; de sua esposa - Sinhá Ana; do filho – que seria o famoso padre, educador, Inácio de Souza Rolim (que o Imperador chamaria de “O Anchieta do Norte”), e dos escravos que lá trabalhavam:

- O padre tinha poucos dias de nascido, quando os pais, Ana Francisca de Albuquerque e Vital de Souza Rolim, se mudaram pra gleba que tinham recebido do sesmeiro pai de Ana, como dote de casamento. Vital, mesmo, com os negros, construiu a casa e os currais, dando início à formação da fazenda das Cajazeiras, por causa desta árvores.

Pintei o quadro quase naïf, sem modelos, a não ser para o bebê, futuro padre: uma foto de Ana Valéria, filha dos grandes amigos Dr. Atêncio Bezerra Wanderley e Dona Cacilda, e que tornei um Inacinho feliz da vida ante o crucifixo que a mãe oscilava ante seus olhos. Dada a pintura por encerrada, botei-a em cima da carga de um caminhão e fui a Cajazeiras. O Prefeito se entusiasmou com a novidade inesperada, impressionou-se com o fato de que eu vendera obra equivalente pra Campina Grande, mas me disse que iria reunir um grupo de experts pra não dizer que fizera a despesa sem consulta. Cena indelével foi a da célebre encenadora Íracles Pires comentando o que via, revoltada:

- Tudo é falso nessa tela: olhem a grama verde – coisa que não tem nada a ver com o sertão, coisa da terra do moço que a pintou. Vejam a Mãe Aninha: ela era uma mulher horrorosa, e olhem só a beldade que aí está. E Rolim era um vagabundo, e o que temos aí?: um fundador da cidade todo disposto, e que não é nada mais, nada menos que o autorretrato do moço! Olhei a figura com espanto.“É mesmo!”

Apesar da crueza do discurso, o prefeito me pagou e a Prefeitura ficou com “A Fundação de Cajazeiras”, de que nunca mais ouvi falar. Íracles Pires tinha prestígio, com programa de grande audiência na rádio local, o que me faz pensar que a oposição deve ter conseguido desautorizar qualquer utilização do óleo – como eu tanto via em Sorocaba com o de sua fundação. Coincidência ou não, o mesmo se deu em Campina. O duplo desagrado me deixou um travo – indelével – de vigarista, oportunista, o que me leva a perguntar, nos dois casos, por quanto me venderiam, hoje, as “fundações” que fiz.



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