"Fundação de Cajazeiras". Óleo sob tela. 1964. autor Waldemar José Solha |
A Fundação de Cajazeiras
Waldemar José Solha
O autor - Waldemar José Solha |
Outubro de 64.
Trabalhando na agência do BB de Pombal, li, no jornal “A União”, que Campina
Grande estava completando seu centenário, com o que me lembrei das festas do
tricentenário de Sorocaba, ocorridas 10 anos antes, inclusive com apresentação
de um quadro sobre sua fundação, que figurava nas capas de todos os cadernos
escolares. O amigo Dr. Queiroguinha, pombalense radicado em Campina, me disse
que a cidade não tinha nada no gênero. Pesquisei, então a História da “Rainha
da Borborema”, pintei um quadro usando colegas por modelos (Zé Bezerra, o
escritor, que era caixa da agência, eu o fiz como um índio de baú na cabeça),
e vendi a obra à Prefeitura de lá, através do próprio amigo médico. De imediato
soube que Cajazeiras – que completara 100 anos de município no ano anterior –
também não tinha sua “Fundação”. Sem livros disponíveis pra me inteirar de suas
origens, fui lá e conversei muito com um intelectual de sobrenome Cartaxo – que
era a cara de Einstein. Ele me levou ao açude onde tudo começara, falou do
fundador – Rolim; de sua esposa - Sinhá Ana; do filho – que seria o famoso
padre, educador, Inácio de Souza Rolim (que o Imperador chamaria de “O
Anchieta do Norte”), e dos escravos que lá trabalhavam:
- O padre tinha
poucos dias de nascido, quando os pais, Ana Francisca de Albuquerque e Vital de
Souza Rolim, se mudaram pra gleba que tinham recebido do sesmeiro pai de Ana,
como dote de casamento. Vital, mesmo, com os negros, construiu a casa e os
currais, dando início à formação da fazenda das Cajazeiras, por causa desta
árvores.
Pintei o quadro quase naïf, sem modelos, a não ser para o bebê, futuro padre: uma foto de Ana Valéria, filha dos grandes amigos Dr. Atêncio Bezerra Wanderley e Dona Cacilda, e que tornei um Inacinho feliz da vida ante o crucifixo que a mãe oscilava ante seus olhos. Dada a pintura por encerrada, botei-a em cima da carga de um caminhão e fui a Cajazeiras. O Prefeito se entusiasmou com a novidade inesperada, impressionou-se com o fato de que eu vendera obra equivalente pra Campina Grande, mas me disse que iria reunir um grupo de experts pra não dizer que fizera a despesa sem consulta. Cena indelével foi a da célebre encenadora Íracles Pires comentando o que via, revoltada:
Pintei o quadro quase naïf, sem modelos, a não ser para o bebê, futuro padre: uma foto de Ana Valéria, filha dos grandes amigos Dr. Atêncio Bezerra Wanderley e Dona Cacilda, e que tornei um Inacinho feliz da vida ante o crucifixo que a mãe oscilava ante seus olhos. Dada a pintura por encerrada, botei-a em cima da carga de um caminhão e fui a Cajazeiras. O Prefeito se entusiasmou com a novidade inesperada, impressionou-se com o fato de que eu vendera obra equivalente pra Campina Grande, mas me disse que iria reunir um grupo de experts pra não dizer que fizera a despesa sem consulta. Cena indelével foi a da célebre encenadora Íracles Pires comentando o que via, revoltada:
- Tudo é falso
nessa tela: olhem a grama verde – coisa que não tem nada a ver com o sertão,
coisa da terra do moço que a pintou. Vejam a Mãe Aninha: ela era uma mulher
horrorosa, e olhem só a beldade que aí está. E Rolim era um vagabundo, e o que
temos aí?: um fundador da cidade todo disposto, e que não é nada mais, nada
menos que o autorretrato do moço! Olhei a figura com espanto.“É mesmo!”
Apesar da crueza do discurso, o prefeito me pagou e a Prefeitura ficou com “A Fundação de Cajazeiras”, de que nunca mais ouvi falar. Íracles Pires tinha prestígio, com programa de grande audiência na rádio local, o que me faz pensar que a oposição deve ter conseguido desautorizar qualquer utilização do óleo – como eu tanto via em Sorocaba com o de sua fundação. Coincidência ou não, o mesmo se deu em Campina. O duplo desagrado me deixou um travo – indelével – de vigarista, oportunista, o que me leva a perguntar, nos dois casos, por quanto me venderiam, hoje, as “fundações” que fiz.
Apesar da crueza do discurso, o prefeito me pagou e a Prefeitura ficou com “A Fundação de Cajazeiras”, de que nunca mais ouvi falar. Íracles Pires tinha prestígio, com programa de grande audiência na rádio local, o que me faz pensar que a oposição deve ter conseguido desautorizar qualquer utilização do óleo – como eu tanto via em Sorocaba com o de sua fundação. Coincidência ou não, o mesmo se deu em Campina. O duplo desagrado me deixou um travo – indelével – de vigarista, oportunista, o que me leva a perguntar, nos dois casos, por quanto me venderiam, hoje, as “fundações” que fiz.
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