Imagem meramente ilustrativa. Fonte: internet
“Súplica Cearense” é uma composição de
Gordurinha e Nelinho. A música ficou eternizada na voz de Luiz Gonzaga e foi
gravada por Elba Ramalho, Wagner, Vanusa, Carmélia Alves entre tantos outros.
Esta belíssima canção é uma oração que retrata o sofrimento causado pela seca e
que fez muito sucesso na década de 60.
Seus versos: “Ó Deus, perdoe esse pobre
coitado/ Que de joelhos rezou um bocado/ Pedindo pra chuva cair sem parar. Ó
Deus, será que o senhor se zangou/ E só por isso o sol se arretirou/ Fazendo
cair toda a chuva que há. Senhor, eu pedi para o sol/ Se esconder um tiquinho/
Pedi pra chover/ Mas chover de mansinho/ Pra ver se nascia/ Uma planta no
chão”, espelha o atual momento em que vivemos no interior do sertão nordestino.
O sertão, depois de três anos de seca, vê seus açudes tomarem água e seus
campos cobertos do verde, cor da esperança.
As chuvas abundantes varrem as terras do
sertão, alcançam as catingueiras, a inundação, em algumas áreas, cresce e
atinge os cascalhos, mata os bichos, ocupa grotas e várzeas. Até os tabuleiros
estão atolando. O trovão ronca no espaço e rompe o silêncio da noite iluminada
pelo brilho do relâmpago, mostrando as nuvens carregadas de chuvas e
acompanhadas de muitos ventos que arrancam as sucupiras e as imburanas e deita
pelo chão o milharal, plantado em dezembro.
Nas bacias de alguns açudes não deu tempo
arrancar das vazantes as batatas e colher os jerimuns e muitos não suportando o
volume das águas vomitaram e deram vida aos leitos dos rios secos e a Acauã,
que vivia cantando, durante o tempo do verão, “no silêncio das tardes
agourando, chamando a seca pro sertão”, do alto da aroeira, silenciosa, se
protege das chuvas e dos ventos e ouve a alegria do inverno com o canto do
sapo, da jia, da rã, da peitica e do bacurau que anunciam mais chuvas no
sertão.
O pasto cresce no campo, as árvores se
enfeitam, o gado fica com o pelo brilhando, os bodes ficam berrando e a
cachorra baleia, de rabo cotó, latindo no terreiro de casa, acompanhada pelo
canto das guinés e o cocoricar das galinhas. Estas imagens tornam o sertanejo
muito feliz e alegre e o faz também cantarolar a música de Luiz Gonzaga: “Ai,
São João/ São João do Carneirinho/ Você é tão bonzinho/ Fale com São José/ Fale
com São José/ Peça pra`le me ajudar/ Peça pro meu mio dar/ Vinte espigas em
cada pé”.
A chuva representa para o sertanejo o maior e
mais belo espetáculo da natureza. O sertão de amargo e esturricado, com as
chuvas, passa a ser doce e florido, a noite escura se enfeita com vaga-lumes,
as manhãs são rompidas pelo canto dos pássaros, pelo relinchar do jumento, pelo
cantar do sapo anunciando a desova, pelos gaviões rompendo o céu atrás da
juriti.
Já imaginou se o nosso sertão fosse sempre
assim, com chuvas regulares, sem a seca braba que afugenta os seus filhos para
rincões distantes, causando saudade, dor e sofrimento, a exemplo do que canta
Luiz Gonzaga em Asa Branca: “entonce eu disse, adeus Rosinha,/ guarda contigo o
meu coração.../ Hoje, longe, longe muitas léguas,/ numa triste solidão,/ espero
a chuva cair de novo/ pra mim vortá pro meu sertão.../ Quando o verde dos teus
óio/ se espaiá na prantação/ eu te asseguro, num chore não, viu/ que eu
vortarei, viu, meu coração...”
A seca fez muitos sertanejos desertarem de sua
terra. Uns se deram bem, outros se lascaram, outros tantos foram lembrados nos
versos e na música “Paraíba”, de Luiz Gonzaga: “quando ribaçã de sede/ bateu
asas e voou/ foi aí que vim m`embora carregando a minha dor/ Hoje eu mando um
abraço pra ti, pequenina Paraíba, masculina, muié macho sim senhor...”
Os rios e os riachos do sertão estão
transbordando e suas águas saem do leito, e exemplo do Rio Nilo, vão deixando
adubadas as suas ribanceiras para uma colheita maior e melhor. O sertão é
assim, imprevisível, cheio de surpresas e quando a chuva chega, mesmo dando
muitos prejuízos, os sertanejos transbordam de felicidade, mas suas súplicas
continuam: “Ó Deus, se eu não rezei direito/ o senhor me perdoa/ eu acho que a
culpa foi/ desse pobre que nem sabe/ fazer oração.../ pedi pra chover/ mas
chover de mansinho...” a questão é, como diz o matuto, calejado de tanto
sofrimento: “quando Deus manda, manda sobrando”.
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