terça-feira, 22 de dezembro de 2015

UMA RÉSTIA DA CIDADE

Crônica publicada no Jornal A União, edição de 08/novembro/1984.




escrito por Mariana Moreira


As esquinas de Cajazeiras, embora não mais centenárias, ainda guardas algumas surpresas que nos extasiam, beirando a embriaguez. Um entorpecimento que anestesia como a picada de um escorpião que paralisa as nossas entranhas, espalha seus venenos em nossas veias, aguçando nossas irracionalidades e imbecilidades em busca de explicações do inquestionável.  

Esbarramos em Rosa Bêbada que nos lança na cara o permanente hálito de aguardente. Em sua lucidez alcoólica enxergamos que a lucidez pacata é uma mera ilusão dos alquimistas que não previram que este estágio entre o primeiro grito e o suspiro final é um intervalo diante do microcosmo divagações. Perdidos em nossas introspecções somos vermes que passeiam pela carne podre, degenerada pela inexorabilidade do tempo.

O padeiro grita em nossos ouvidos: Olhe o pão. E minha barriga acusa fome. Me intoxico com o bromato de potássio, deixando escorrer pelo canto da boca o veneno mel que sacia e mata. O prazer e sensualidade de nossos corpos também sentem fome. Anseiam por outros desejos e outras emoções, pungentes e incontroláveis. Buscamos novos sonhos e os horizontes morrem, pacificamente, nas águas sujas do açude grande.

Os nossos fantasmas são tão nossos que não queremos dividi-los com mais ninguém. Usufruímos a regalia de sermos assombrações de nós mesmos. Almas penadas em busca de perdão. Nos confessionários vomitamos nossos pecados e buscamos o perdão divino, traduzindo na benevolência que os costumes e tradições nos imprimem.

Vagando pelo intricado das esquinas perdemo-nos nos labirintos povoados de ninotauros que são meras extensões de nossos membros. Braços e pernas monstruosos que se desprendem de nossos troncos como hidras proscritas que alçam voos das cabeças das medusas de nossas consciências.

Em cada esquina. Em cada flagrante da cidade, uma imensidão se perde no azul cinza do sertão, isento de poluição, mas contaminado pela fumaça de nossos míopes de seres crescidos na fome. As esquinas e a cidade compartimentando a vida, espreitando nossos passos e arquitetando suas armadilhas, que nos prendem, asfixiando nossas opções de buscar um ar que foge para continentes imaginários que nossas idiotas cabeças supõem existir.




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