José Antônio de Albuquerque
Com oito anos de idade eu já começava a fugir de casa
para tomar banho de rio, no rio que nunca saiu de minha memória, até porque foi
por causa dele que fui premiado por meu pai com muitas cipoadas de salsa, que
eram abundantes em suas margens, ao ser flagrado tentando dominar suas
correntezas.
Neste rio de meus sonhos e de muitas boas lembranças
voltei sempre, durante anos seguidos de minha vida, para tomar banho e apreciar
os momentos raros de suas grandes e volumosas enchentes.
No último domingo resolvi percorrer, no que antes o fazia
por suas margens, agora caminhava por suas entranhas, pelo seu leito seco.
Confesso que meus pensamentos voaram para o passado na busca de suas límpidas e
valentes águas e relembrei muitos momentos das braçadas que dava na tentativa
de atravessar de uma margem para outra.
Quando vi o rio da minha infância completamente seco, uma
enorme tristeza invadiu minha alma e bem que gostaria que a enchente de
lágrimas que rolou por minha face fosse suficiente para que ele novamente voltasse
a ter vida.
Uma paisagem de cortar coração. Uma triste realidade. Uma
desesperança. Um acontecimento que se repetia pela segunda vez. E voltava a
sonhar: onde estão os jequis, construídos nas passagens estreitas do leito do
rio para pegar tucunaré e traíra? Onde estão os ninhos das casacas-de-couro
construídos, nas pontas das galhas das marizeiras e que roçavam o nível das
águas? Não consegui mais ouvir o canto dos anuns pretos, em diversas e
múltiplas sintonias, que invadiam as plantações de capim mandante. Até os
cangatis das locas das pedras haviam desaparecido. Uma peregrinação com um
misto de saudade, tristeza e desolação.
De repente apareceu um companheiro de caminhada, um velho
amigo e também ribeirinho, que possui uma gleba de terra, vizinha as minhas, às
margens do rio seco. Talvez em busca de seus sonhos e lembranças, ou do seu
primeiro banho, também como o meu – nas águas benditas do Piranhas.
Continuamos a caminhada juntos: em alguns instantes o
silêncio era maior do que o nosso grito e a nossa tristeza menor do que as
nossas esperanças. Na caminhada rio acima construíamos os nossos sonhos,
idealizávamos o futuro e a cada passada mais uma lição aprendíamos com a mãe
natureza.
Encontramos ainda, no leito do rio, uma pequena poça de
água e no alto de uma aroeira um socó se preparava para fisgar com seu longo
bico alguma piaba. Aquele resto de água estava servindo ainda para matar a sede
das raposas, preás, dos tiús, camaleões, dos pebas e veados que restaram da
sanha dos caçadores.
Resistir e esperar. Esperar com a esperança que uma
promessa secular feita pelo Imperador do Brasil, Dom Pedro, que um dia as águas
originadas dos contrafortes das serras das minas gerais, onde nasce outro
grande rio, que tem nome de santo: Francisco, um dia venha dar vida a outro
rio, perdido e nascido nas encostas das serras do Sertão da Paraíba, volte a
ter vida, vida em abundância.
Sonho um dia voltar a tomar banho, no rio da minha
infância, depois do casamento e o enlace entre o Piranhas e o São Francisco e
que as minhas lágrimas de hoje voltem a rolar no meu rosto, não de tristeza,
mas de felicidade e que o leito seco do meu rio transborde e encha de alegria
as nossas vidas e de seus ribeirinhos.
fonte: coisa de cajazeiras
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