o dia
6 de agosto, Cristiano Cartaxo Rolim teria completado 128 anos, se fosse
possível viver tanto. Ele morreu em 1975, também no mês de agosto, dia 29,
ainda lúcido, muito embora a memória, a vista e o mal de Parkinson já lhe
causavam enervante angústia. Nascido em 1887, meu pai estudou na Bahia e no Rio
de Janeiro, onde obteve o diploma de farmacêutico para juntar-se a seu genitor,
major Higino Gonçalves Sobreira Rolim, pioneiro boticário em Cajazeiras,
licenciado para exercer atividade de farmacêutico em ato formal assinada pelo
imperador Pedro II, em 1875.
Cristiano Cartaxo ocupou posições na política cajazeirense
– vereador, secretário municipal, prefeito interino – mesmo sem ter vocação de
administrador público ou para as lides parlamentares e partidárias. Ele também
não se entusiasmava com o comércio, conquanto fosse cuidadoso e competente no
aviamento de receitas médicas e no trato das pessoas. Cristiano gostava mesmo
era das letras, de versejar, tendo preferência especial pelo soneto. Fez-se
professor, lia muito, inclusive em francês, disciplina que ensinou anos a fio.
Talvez escondesse na leitura e na poesia sua timidez, o que não o impedia,
porém, de falar em público, de proferir discursos e palestras.
Exemplo emblemático de sua reservada conduta se deu quando rejeitou convite do cônego Matias Freire para integrar a Academia Paraibana de Letras. Tenho agora em mãos exemplar dos Estatutos daquela entidade, enviado a meu pai pelo ilustre sacerdote, com um bilhete, de 5 de junho de 1945, no qual “pede autorização para falar bem de seu nome na Academia”. Encontrei-o entre velhos papeis no acervo deixado por minha irmã Maria Ilina, falecida mês passado. Lá estava também um rascunho incompleto, escrito a lápis, da resposta de Cristiano a Matias Freire. Ei-lo:
Exemplo emblemático de sua reservada conduta se deu quando rejeitou convite do cônego Matias Freire para integrar a Academia Paraibana de Letras. Tenho agora em mãos exemplar dos Estatutos daquela entidade, enviado a meu pai pelo ilustre sacerdote, com um bilhete, de 5 de junho de 1945, no qual “pede autorização para falar bem de seu nome na Academia”. Encontrei-o entre velhos papeis no acervo deixado por minha irmã Maria Ilina, falecida mês passado. Lá estava também um rascunho incompleto, escrito a lápis, da resposta de Cristiano a Matias Freire. Ei-lo:
“Recebi os Estatutos da Academia e o folheto sobre o
Congresso de Esperanto, acompanhados do pedido de apresentação do meu nome à
tão ilustre confraria. É este mais um estímulo sério que recebo para sair de
minha toca sertaneja. E é com pesar que sinto haver chegado tarde demais o
vosso convite amigo. Meu gosto demasiado pelas letras mais se afirmou em
atividades fecundas, de modo que me sinto bem hoje sem os protestos (ilegível)
em uma das cinco categorias de sócios da Academia. Cumpre-me agradecimentos à
vossa lembrança, que mais parece reflexo dos que não me conhecem de perto”.
A timidez manifesta-se com igual vigor no soneto Ânimo
Forte, dedicado ao cônego Matias Freire, em particular no primeiro quarteto:
“Estou velho, já não me tenta
mais
a veleidade de afagar a ideia
de figurar na olímpica
assembleia
mortal que sou, em meio aos
imortais.”
Ora, ao ser convidado, Cristiano Cartaxo não completara
ainda 58 anos! Sempre exibiu boa saúde e faleceu com 88 anos. O convite não
chegara tarde, portanto. Era puro receio de sentar-se ao lado de intelectuais
que ele conhecia à distância, em sua maioria, pela imprensa e por meio da
leitura de livros. O poeta Cristiano superestimava a capacidade intelectual de
seus futuros colegas de Academia, ele que optara por viver em Cajazeiras, numa
época em que as distâncias geográficas eram tão grandes quanto às de nível
cultural. Ou, pelo menos, mais acentuadas do que hoje, penso. E assim,
Cajazeiras perdeu um imortal, imortal solene, da Academia, na qual é patrono o
padre Inácio de Sousa Rolim, cuja cadeira foi ocupada pelo cônego Matias
Freire.
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