quinta-feira, 21 de maio de 2015

"no seu início ou seria o fim(?) ficava o Açude Grande e no seu fim, ou seria início (?), o centro da cidade."

por: Carmen Sevilla

Mosaico da igreja do Colégio Diocesano Padre Rolim 
- Cajazeiras-PB


O número da casa era 115 e ficava numa praça estranha, pois parecia uma rua se preparando para um dia, quando crescesse, ser avenida. A praça João Pessoa era dividida por um canteiro onde havia bancos e postes. 

No seu início ou seria o fim(?) ficava o Açude Grande e no seu fim, ou seria início (?), o Centro da Cidade. O fato é que nesta casa morava minha família. O chão da casa era de mosaico, um piso que poderia formar lindos desenhos, e se a gente ficasse olhando sem parar dava para montar e desmontar só na cabeça. Psicodélico piso!! Mas essa psicodelia tinha um preço: o piso precisava ser encerado. Mamãe, querendo ser justa, em sua veia inconscientemente socialista, dividia equitativamente, os seis cômodos da casa entre minha irmã e eu para essa tarefa. Digo, “mamãe querendo ser justa”, porque se justa fosse não me daria essa tarefa. Seis cômodos contando com o corredor: um enorme, infinito corredor, se visto da perspectiva de quem está agachada com um pano e uma lata de cera, esfregando-o e depois fazendo-o brilhar como se fosse uma estrela, enquanto a vida acontecia. Para suportar a tarefa eu me imaginava uma linda princesa maltratada pela madrasta (Freud, fique calado, por favor!!). Minha irmã argumentava que o corredor era muito prático porque não tinha móveis, mas ela se esquecia que o fim dele era no infinito ou talvez numa cadeira elétrica ou injeção letal (não são estes os fins dos corredores?). Ela dizia que eu era “mole” e exagerada. Mamãe evitava me dar os quartos porque um dia adormeci embaixo da cama. Minha irmã disse que foi propositalmente, mas eu juro que não sei pois estava adormecida, como seria próprio à bela (da minha fértil imaginação). A cera incolor, o seu cheiro forte, e os pensamentos adolescentes em busca de um mundo onde as casas não precisassem ser enceradas: como eu sofria, pensava. Às vezes eu fingia desmaiar para que todos rissem e me dispensassem da tarefa. De fato, riam, mas eu estragava meu trabalho e precisava refazê-lo. Beatles, Dire Straits, Elvis, se esgoelavam repetidamente na vitrola para me animar. Mas na verdade, eu seria muito mais rápida se não levantasse para ficar trocando as faixas ou virando o disco. Neandertais tempos! Uma crise de enxaqueca hoje pela manhã me fez “ver” os mosaicos, sentir o cheiro da cera e vislumbrar o corredor que imaginado hoje parece ainda mais oceânico. Acreditam que tive saudades? É que depois da casa encerada, poderíamos sair para a praça, a mais linda, movimentada e legal praça do mundo.




fonte: http://ac2brasilia.blogspot.com.br

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