por: Carmen Sevilla
Mosaico da igreja do Colégio Diocesano Padre Rolim
- Cajazeiras-PB
O número da casa
era 115 e ficava numa praça estranha, pois parecia uma rua se preparando para
um dia, quando crescesse, ser avenida. A praça João Pessoa era dividida por um
canteiro onde havia bancos e postes.
No seu início ou seria o fim(?) ficava o
Açude Grande e no seu fim, ou seria início (?), o Centro da Cidade. O fato é
que nesta casa morava minha família. O chão da casa era de mosaico, um piso que
poderia formar lindos desenhos, e se a gente ficasse olhando sem parar dava
para montar e desmontar só na cabeça. Psicodélico piso!! Mas essa psicodelia
tinha um preço: o piso precisava ser encerado. Mamãe, querendo ser justa, em
sua veia inconscientemente socialista, dividia equitativamente, os seis cômodos
da casa entre minha irmã e eu para essa tarefa. Digo, “mamãe querendo ser
justa”, porque se justa fosse não me daria essa tarefa. Seis cômodos contando
com o corredor: um enorme, infinito corredor, se visto da perspectiva de quem
está agachada com um pano e uma lata de cera, esfregando-o e depois fazendo-o
brilhar como se fosse uma estrela, enquanto a vida acontecia. Para suportar a
tarefa eu me imaginava uma linda princesa maltratada pela madrasta (Freud,
fique calado, por favor!!). Minha irmã argumentava que o corredor era muito
prático porque não tinha móveis, mas ela se esquecia que o fim dele era no
infinito ou talvez numa cadeira elétrica ou injeção letal (não são estes os
fins dos corredores?). Ela dizia que eu era “mole” e exagerada. Mamãe evitava
me dar os quartos porque um dia adormeci embaixo da cama. Minha irmã disse que
foi propositalmente, mas eu juro que não sei pois estava adormecida, como seria
próprio à bela (da minha fértil imaginação). A cera incolor, o seu cheiro
forte, e os pensamentos adolescentes em busca de um mundo onde as casas não precisassem
ser enceradas: como eu sofria, pensava. Às vezes eu fingia desmaiar para que
todos rissem e me dispensassem da tarefa. De fato, riam, mas eu estragava meu
trabalho e precisava refazê-lo. Beatles, Dire Straits, Elvis, se esgoelavam
repetidamente na vitrola para me animar. Mas na verdade, eu seria muito mais
rápida se não levantasse para ficar trocando as faixas ou virando o disco.
Neandertais tempos! Uma crise de enxaqueca hoje pela manhã me fez “ver” os
mosaicos, sentir o cheiro da cera e vislumbrar o corredor que imaginado hoje
parece ainda mais oceânico. Acreditam que tive saudades? É que depois da casa
encerada, poderíamos sair para a praça, a mais linda, movimentada e legal praça
do mundo.
fonte: http://ac2brasilia.blogspot.com.br
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